Por Therezinha Hernandes.
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Resumindo a vida de uma língua,
ela nasce na fala e se perpetua na escrita. Já dissemos, aqui mesmo no blog,
que uma língua pode morrer se os seus falantes forem obrigados a se comunicar
em outra língua, como é o caso do N/u (leia aqui); também alertamos para o perigo de certas
simplificações, imposições e reduções de vocabulário, que acabarão por limitar
o próprio pensamento, já que, para expressá-lo, precisamos da linguagem. De
qualquer modo, uma língua não se modifica por decreto.
A novidade, agora, é que o nosso
queijo poderá perder um pedaço. À primeira vista, parece algo banal e
inofensivo, afinal, as pessoas comem queijo. Quem se importa com isso? Mas não
é esse o caso.
Vamos acabar com o suspense e
explicar de uma vez: está em fase de elaboração um projeto de lei para criar
uma nova reforma ortográfica, visando a “facilitar” a escrita, basicamente por
meio da extinção de dígrafos, da eliminação do “H” inicial de certas palavras e
da representação de determinados fonemas (sons) por uma única letra.
Segundo essa proposta, palavras
como “homem”, “humanidade”, “heterogêneo”, “homogêneo”, “hierofante”, “herpes”,
“hoje”, etc., cujo “h” inicial não é pronunciado, perderão essa letra, passando
a se escrever “omem”, “umanidade”, “eterogêneo”, “omogêneo”, “ierofante”,
“erpes”, “oje”, etc.
A justificativa para tal exclusão
é a inutilidade desse “h”, na medida em que não é pronunciado, e os
responsáveis pelo projeto exemplificam com o italiano, que não apresenta
palavras com “h” inicial.
Em português, o “h” inicial se
manteve devido à etimologia das palavras, que já eram escritas assim na sua
origem.
Quanto ao que chamamos de
extinção de dígrafos e representação de certos fonemas (sons) da língua por uma
única letra, trata-se da substituição de “ss”, “sc”, “sç”, “xc” por um “s”
simples, visto que aqueles dígrafos representam na escrita o som do “s”
sibilante; e também dos dígrafos “qu” e “gu” (em que o “u” não é pronunciado).
É nesse ponto que o queijo perde
um pedaço: “queijo” passaria a se escrever “qeijo”, “quente” perderá calor para
ser escrito “qente”, o “queixo” vai cair quando passar a ser escrito “qeixo”;
igualmente, uma “guerra” não será menos violenta se for escrita “gerra”.
Assim, “passado”, “nascer”,
“desça”, “excelente” passariam a ser escritos “pasado”, “naser”, “desa”,
“eselente”.
Da mesma maneira, o dígrafo “ch”
seria substituído simplesmente por “x”, visto ser esse o seu som, de modo que
“chá”, “chegar”, “achado”, “macho”, “bolacha” teriam sua escrita modificada
para “xá”, “xegar”, “axado”, “maxo”, “bolaxa”.
Seguindo esse princípio, também
palavras em que o “x” tem som de “s” teriam sua grafia alterada: “máximo”
viraria “másimo”.
Nem mesmo o “s” ficará impune: se
tiver som de “z”, passará a ser representado por essa letra: “casa” se
escreverá “caza”, “presunto” será “prezunto”, “mesa” virará “meza”, e assim por
diante.
O “x” com som de “z” terá a mesma
sorte: “êxito” será “êzito”, “exame” se tornará “ezame”.
Dizem os defensores desse projeto
que o objetivo é facilitar a escrita e, por via de consequência, auxiliar o
aprendizado da língua. Dizem.
No entanto, é necessário ponderar
algumas questões.
A projetada reforma pode resultar
em muita confusão. Se “hesitar” se escreverá “ezitar”, com a forma “hesito”
(“eu hesito”, primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo
hesitar) passando a ser escrita “ezito”, e “êxito” se tornará “êzito”, a
simples ausência do acento nesta última deixará o leitor em dúvida: “quando eu
‘ezito’, não tenho ‘êzito’”.
Por outro lado, mas não sem
importância, a última reforma ortográfica ainda é muito recente. Sua proposta era
aproximar, na escrita, os países lusófonos, ou seja, que falam português. Essa
reforma aboliu o trema, antes usado para indicar graficamente quando o “u”
deveria ser pronunciado nos grupos “gue”, “gui”, “que”, “qui”, como por exemplo
em “agüente”, “lingüiça”, “freqüente”, “tranqüilo”. A partir da última reforma
ortográfica, essas palavras passaram a se escrever “aguente”, “linguiça”,
“frequente”, “tranquilo”.
Isso deveria supostamente aliviar
o fardo dos estudantes e de todos os que escrevem, mas o fato é que dificultou
a leitura. Palavras como as citadas acima são de uso corriqueiro, mas os que
estão aprendendo o português já não sabem como ler palavras menos usuais como
“delinquir”, “quiproquó”, nem “solilóquio” (que já não tinha trema mesmo).
Ainda que não sejam empregadas quotidianamente, existem em textos mais antigos.
O vocabulário da nossa língua
está se reduzindo dia após dia, e haverá um tempo em que nossa literatura será
esquecida. A língua, assim, gradualmente morrerá.
Se a intenção da última reforma
ortográfica era aproximar os falantes do português, a nova proposta vai em
direção diametralmente oposta, a não ser que os seus defensores pretendam impor
a nova grafia aos demais países.
Esse projeto, portanto, entra em
contradição com a reforma anterior – ainda que, particularmente, eu não
concorde com a abolição do uso do trema, que na minha opinião era bastante útil
na leitura.
A alegada facilitação da escrita,
que supostamente auxiliaria o aprendizado da língua, na prática vai implicar
que todos – todos- os brasileiros reaprendam a escrever.
Facilitar o aprendizado não é o
mesmo que reduzir a língua: é fornecer meios verdadeiramente eficazes tanto
para que os alunos aprendam, como também para que os professores possam
ensinar. Os alunos, da sua parte, precisam ser expostos aos conhecimentos, a
fim de que não fiquem restritos à experiência de vida que já possuem. Ter
acesso a outras ideias, a outras maneiras de pensar – isso é evolução. Os
professores, por seu turno, precisam ter condições satisfatórias para ensinar.
Ambos precisam de estímulos; ambos precisam e merecem ter prazer no processo
ensino-aprendizagem.
Não será essa pretensa reforma
que vai mudar o painel do ensino do português, assim como da educação em geral.
Só o que vai ocorrer é que o “qeijo” vai perder um pedaço, a “bolaxa” não terá
sabor, coisas “qentes” esfriarão, uma “caza” jamais será um lar, e nós seremos
menos de nós mesmos se nor tornarmos apenas “umanos”.
Para quem quiser conferir a
proposta de reforma ortográfica, eis o link:
www.simplificandoaortografia.com.br
Isso acaba com as exceções e as duplas grafias. E também as palavras homófonas - que têm o mesmo som, mas escrita e significados diferentes. As palavras sessão, seção e cessão ficam reduzidas a uma só grafia - sesão.
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