Por Therezinha Hernandes.
Nossa língua é muito divertida.
Quem ousa dizer que não? Temos várias expressões engraçadas, principalmente
porque muitas delas vêm de situações insólitas.
Continuando a explicar as origens
de várias expressões populares, vamos ver também um pouquinho dos costumes
antigos, hoje relegados ao esquecimento.
Quando aparecia uma visita
inesperada, principalmente se o dono da casa fosse interrompido nos seus
afazeres, era usual dizer “Mas será o Benedito?”, mais como interjeição de
aborrecimento do que propriamente uma pergunta. Segundo o Guia dos Curiosos – Língua Portuguesa, do jornalista Marcelo
Duarte, a origem dessa expressão vem da nomeação de interventores por Getúlio
Vargas. Em 1933, o então presidente hesitava na escolha do interventor para
Minas Gerais, e a população temia que fosse nomeado Benedito Valadares, o pior
dos candidatos. Por isso, diante da demora de Getúlio, o povo se perguntava:
“Será o Benedito?”. E foi.
Muitas vezes, no nosso dia-a-dia,
fazemos tempestade em copo d’água mesmo quando não se trata de sangria
desatada. Puro estresse. Porém, “fazer tempestade em copo d’água” não é
privilégio do mundo moderno, já que os antigos romanos tinham um dito parecido:
“excitare fluctus in simpulo”, que em
tradução livre seria algo como “provocar tempestade numa conchinha”. Com o
tempo e segundo os costumes locais, o ditado foi mudando de recipiente; no
inglês, passou da concha latina para tigela (registrada em 1678), bacia (1830),
e finalmente xícara de chá (em 1872). O recipiente mudou, mas o significado
continua o mesmo: fazer um escândalo por um motivo banal ou insignificante.
“Sangria desatada” vem da crença
de que era possível curar várias doenças “afinando o sangue” do paciente por
meio de sangrias. Dor de cabeça? Dê um talho no paciente e faça-o sangrar um
pouquinho. Ataque de ira? Sangria para acalmar os nervos. Porém, se o médico
fosse “barbeiro” (ou seja, sem habilidade), poderia causar uma hemorragia no
paciente e, com isso, causar-lhe a morte. Então, uma “sangria desatada” (sem
controle) representava uma situação de emergência. Ao contrário, se existe um
problema, mas não há necessidade de resolvê-lo com urgência, não é uma sangria
desatada.
Falamos ali em cima de alguém que
é “barbeiro”, como sinônimo de pessoa sem habilidade, sem perícia. O uso dessa
palavra para designar alguém que não exerça efetivamente essa profissão vem do
tempo em que os barbeiros, além de cuidar da barba e do cabelo de seus
clientes, também acumulavam as funções de dentistas (claro que só para arrancar
dentes doentes) e médicos (para as famigeradas sangrias). De início, a
comparação era usada por médicos diplomados para ironizar seus colegas mais
velhos, ou profissionais de outras áreas que exerciam algumas práticas da
medicina sem habilitação. Com o tempo –especialmente quando surgiram os
primeiros automóveis-, a expressão passou a designar qualquer pessoa inábil,
especialmente os motoristas que não controlam bem o volante.
Se alguém for chamado de
“barbeiro” e não gostar, pode “ir se queixar ao bispo” – frase que hoje tem a
conotação de algo insolúvel, ou uma situação à qual ninguém dá importância e
que por isso ficará sem resposta. Mas nem sempre foi assim. “Queixar-se ao
bispo” vem de tempos muito antigos, em que as mulheres precisavam comprovar aos
homens que eram férteis, que eram capazes de gerar filhos, o que era importante
não só para perpetuar a espécie, mas também para garantir que, tendo muitos
filhos, ao menos um herdeiro sobrevivesse, numa época em que a mortalidade
infantil era altíssima. Essa é a razão para a existência do noivado: ajustado o casamento entre as
famílias, o período do noivado destinava-se a que a noiva engravidasse para
provar que era fértil. Só depois disso ocorria a cerimônia de casamento. Se
durante o tempo combinado para o noivado a mulher não engravidasse, o contrato
era desfeito.
Há um quadro muito famoso, do pintor
flamengo Jan Van Eyck (século XV), que representa o casamento de Giovanni
Arnolfini e Giovanna Cenami – e ela repousa a mão esquerda sobre o ventre,
mostrando que está grávida. Há muitas especulações sobre essa cena, entre as
quais se diz que o ventre inchado não indica gravidez, sendo antes moda, para
exibir por exemplo o gasto com tecido, indicando a prosperidade do retratado.
Mas o motivo de existir o período
do noivado é mesmo esse: comprovar a fertilidade da mulher – como se apenas
dela dependesse o sucesso do evento.
Por isso, até por volta do início
da década de 70 do século passado, o rompimento de um noivado poderia ser visto
como algo negativo para a mulher, ainda que o costume antigo já não existisse.
No Brasil do século XVIII ainda
existia esse costume, que era aprovado pela Igreja desde que o casamento se
consumasse. Ocorre que muitos noivos desapareciam deixando a noiva grávida.
Esta se queixava ao bispo, que mandava alguém atrás do fujão – muitas vezes sem
resultado.
Mas nem só de costumes bizarros
vivem os povos. Por isso, damos “vivas!!” à modernidade. Dar um “viva!”
simboliza isso mesmo: desejar vida longa ao homenageado.
Há registros do uso dessa
expressão no Brasil ainda nos tempos coloniais, época em que havia até um
protocolo de “vivas” para a saudação de autoridades. Só um “viva!” deveria
indicar uma autoridade de baixo escalão; o grau mais alto na hierarquia
provavelmente era saudado com uma quantidade bem maior de “vivas!”. Nem quero
imaginar uma visita do Papa... Meia hora seguida de “vivas!”, no mínimo!
Mais diversão, só na próxima
semana.
Abraços e até lá.
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