O Jabberwocky (Jaguadarte, em português), ilustrado por, John Tenniel, para a primeira edição inglesa de Alice através do espelho (Through the Looking-Glass, and What Alice Found There,1871).
Por Therezinha Hernandes.
Era
briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam
e relviam nos gramilvos.
Estavam
mimsicais as pintalouvas,
E
os momirratos davam grilvos.
(Jaguadarte, de Lewis Carroll, em uma das traduções em português)
Nossa!
Que língua é essa? É de se imaginar que essa pergunta esteja martelando dentro
da cabeça de muita gente.
Será
que é o nosso bom e velho português? Sim, é a nossa língua.
Alguém
poderá dizer que essas palavras estranhas não existem no nosso vocabulário – e
tem razão. Não temos lesmolisas ou pintalouvas ou momirratos.
Porém,
não é só o léxico que imprime as características de uma língua, mas também sua
gramática.
Foi
pensando nisso que o grande poeta Augusto de Campos recriou, com o nome de
“Jaguadarte”, o poema “Jabberwocky” de Lewis Carroll, contido no livro “Alice
no País do Espelho”.
Palavras
novas surgem a cada momento, mas a base gramatical permanece quase intocada ao
longo de séculos, pois ela reflete a lógica da língua.
Vamos
explicar usando as nossas peças de Lego:
1)
Podemos localizar no texto de abertura pecinhas bem pequenas – “era” (verbo),
“e” (conjunção aditiva).
2)
Outras já são peças duplas ou triplas – “as” (artigo feminino plural – “a” +
“s”), “os” (artigo masculino plural – “o” + “s”), “nos” (contração da
preposição “em” com o artigo masculino plural “os”). “A” e “o”, marcas de
feminino e masculino respectivamente, combinam-se com o “s”, que é marca de
plural, e podem se agregar a outras palavras para estabelecer-lhes o gênero
(masculino e feminino) e o número (singular e plural), como em “lesmolisas”,
“touvas” e “pintalouvas”, todas no feminino plural, e em “gramilvos”,
“momirratos” e “grilvos”, todos no masculino plural.
3)
A palavra “mimsicais” não tem marca de masculino nem de feminino, mas é fácil
compará-la a algo conhecido: palavras terminadas em “l”, que fazem o plural em
“is”, como “normal”, “normais”.
4)
Encontramos verbos conhecidos, como “era”, “estavam” e “davam”, mas também
reconhecemos como verbos “roldavam” e “relviam”, porque identificamos neles as
terminações “avam” e “iam”, típicas de formas verbais.
A
partir dessas peças menores e suas pequenas combinações, criamos elementos
maiores, que podem se juntar a outros, e mais outros, surgindo assim estruturas
cada vez mais complexas.
Vejamos
como isso ocorre, para provar que “Jaguadarte” está em português:
A)
“Era briluz” constitui uma estrutura bastante comum na nossa língua, comparável
a “era cedo”, “era noite”, “era primavera”, etc.
B)
“As lesmolisas touvas” é outra estrutura, que encontra paralelo, por exemplo,
em “as professoras loucas”, “as mariposas verdes”, “os prados verdejantes”
(trata-se da combinação “artigo + substantivo + adjetivo”).
C)
“Os momirratos davam grilvos”, “as criancinhas davam gritos”, “os convidados
davam presentes” são estruturas igualmente similares (para quem desejar saber,
é a estrutura “sujeito + verbo + complemento do verbo”).
D)
“Estavam mimsicais as pintalouvas” é uma oração em ordem inversa: “As
pintalouvas estavam mimsicais”, resultando em “sujeito + verbo de ligação +
predicativo do sujeito”.
E)
“As lesmolisas touvas”, por seu turno, insere-se em outra estrutura maior: “As
lesmolisas touvas roldavam e relviam nos gramilvos”, que podemos associar a
“sujeito + verbos intransitivos + adjunto adverbial”, como em “As meninas elegantes
dançavam e giravam no salão”.
Resumindo
tudo que foi dito até agora, constatamos a existência de estruturas que se
repetem. Mudam as palavras, ou, já que estamos falando de Lego, muda o formato
da peça, mudam as cores, mas as estruturas são basicamente iguais.
Quando
aprendemos a vê-las, fica mais fácil analisar o brinquedo, digo – o texto.
Na
próxima semana começaremos a arrancar rodinhas e desvendaremos o mistério do
“leite de cabra em pó”.

Therezinha,
ResponderExcluirSem louvaminhas, o texto está uma beleza. Estou ansiosa pelo leite de cabra em pó, mas temo não conseguir resolver o mistério: serei suficientemente esperta? (Ai Jesuis!!!)
Beijo
Susana
Ah, Susana... Nada como uma escritora talentosa para criar palavras novas e charmosas! Gostei das suas louvaminhas, e em retribuição prometo desvendar na próxima crônica o mistério do leite de cabra em pó...rsrs...
ExcluirBeijão, querida!
TT
Oi Therezinha!
ResponderExcluirGrata surpresa ver que o Jabberwocky foi usado para demostrar o uso da gramatica como pecas do Lego, anteriormente mencionado.Divertido. Gostei! Muito bem executado. Parabens!
Oi, Maggie!!!
ExcluirVocê, como anglófona, já conhecia o Jabberwocky e os jogos de palavras que Lewis Carroll criou, brincando com a língua inglesa mas respeitando sua gramática (entendendo-se gramática enquanto estrutura da língua). É preciso ser um profundo conhecedor, não só da língua, mas também de poesia, para recriar um poema impossível de ser simplesmente traduzido. A recriação do Jaguadarte foi um dos grandes trabalhos do excepcional Augusto de Campos.
A proposta desta coluna é mostrar que é possível conhecer bem a gramática de forma prazerosa, literalmente brincando com a língua.
Beijão, querida!!
Obrigada por acompanhar a coluna!!
A lesmolisa touva que acabou de ler esse fantástico texto está com muito sono e achou tudo mimsical e sensacional!!
ResponderExcluirOi, Regiane!!
ExcluirRi muito com o seu comentário...rs... Você captou muito bem a intenção do texto (apesar do sono...rs...), e soube aplicá-lo de forma bem divertida.
Borboleijos e ampleaços pra você!!
Demais! Trocar sílabas é comum e faço sempre, como saparinho, passato, mánica... mas essa junção de palavras é perfeita na difusão da ideia. Brincando com a estrutura da oração sem modificá-la.
ResponderExcluirObrigada por acompanhar a coluna, Celso!
ResponderExcluirÉ... sou leitora (compulsiva) de João Guimarães Rosa e dessa fonte também gosto de beber... Maravilhoso!
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