Por Therezinha Hernandes.
Hoje em dia, ninguém mais faz
acordos verbais – imperam os contratos escritos, mais seguros porque amparados
pelas leis. Se alguém lhe oferecer um negócio da China, é melhor sair à
francesa, pois a oferta maravilhosa pode ser só para inglês ver, sua vida
financeira pode virar uma montanha-russa e no final ir para a cucuia. Você vai
ficar sem entender patavina, mas terá feito uma volta ao mundo com essas
expressões populares.
Negócio da China todo mundo sabe
que é algo fabuloso, promissor, lucrativo. A comparação surgiu no século XVI,
quando a distribuição dos cobiçados (e caros) produtos orientais na Europa,
notadamente a porcelana chinesa, era um privilégio de Portugal, que dominava a
rota de comércio das então chamadas Índias. Porém, a prosperidade despertou a
cobiça de outros países, e navios holandeses e ingleses começaram a invadir as
rotas portuguesas. Em 1600 foi criada a Companhia das Índias Orientais inglesa;
em 1602, foi a vez da Holanda; em 1664, a França conquistou seu quinhão.
Monopolizando o comércio de porcelana chinesa por aproximadamente três séculos,
a empresa obteve lucros imensos. O bom negócio, então, deu origem à expressão
popular.
Para inglês ver, significando uma
ação feita apenas por aparência, ou mesmo para iludir alguém, vem dos tempos da
Independência do Brasil, quando a Inglaterra passou a exigir o fim do tráfico
de escravos e, para atingir esse objetivo (ou outros, não declarados), colocou
embarcações suas patrulhando a costa brasileira. Em 1831 foi aprovada uma lei
declarando livres todos os africanos desembarcados em portos brasileiros a
partir daquela data, mas até o próprio governo fazia vista grossa em relação ao
tráfico. No entanto, para não desagradar a Inglaterra, lançava ao mar navios
que, só na aparência, deveriam perseguir navios negreiros que tentassem
aportar. Desse modo, tudo que represente fingimento é “para inglês ver”.
Não sei se depois disso a
Inglaterra saiu à francesa, mas essa expressão, que hoje significa sair sem ser
percebido, especialmente quando se está diante de uma situação que pode ficar
complicada, na origem representava falta de educação mesmo. Sair à francesa
queria dizer sair sem se despedir, sem cumprimentar ninguém. Sua origem é
confusa. Os franceses supostamente se irritavam com a descortesia inglesa, e
assim nasceu “filer à l’anglaise”.
Obviamente os britânicos não concordaram com isso. No início do século XIX, em
Paris, passou a ser usada a forma “s’en aller à l’anglaise”. Alguns estudiosos
supuseram que essa locução se devesse às derrotas sofridas por Napoleão nesse
período (vencido e humilhado, o exército procuraria fugir sem ser notado), mas
o fato é que a expressão é bem anterior, pois já era popular em Lisboa por
volta de 1779, e nessa época Napoleão tinha dez anos de idade. Os franceses
negam que a expressão seja usual em seu país, registrando apenas “sair à
inglesa” como representativa de falta de cortesia. Já em Portugal, a locução já
era de uso corrente nos tempos da rainha Dona Maria I (1734-1816; conhecida
como “a Louca”, iniciou seu reinado em Portugal em 1777), não se devendo
portanto ao Bloqueio Continental imposto por Napoleão em 21 de novembro de
1806. A origem dessa expressão, desse modo, permanece obscura.
Montanha-russa é uma das poucas
expressões que retratam fielmente sua origem. Trata-se verdadeiramente de um
esporte de inverno criado pelos russos entre os séculos XV e XVI. No início, as
montanhas-russas eram feitas inteiramente de gelo, tanto a pista como os
carrinhos. Estes eram escavados em blocos de gelo, recobrindo-se com palha a
parte destinada ao assento. A aventura era entrar no carrinho escorregadio e
descer a montanha em alta velocidade, mas era uma diversão perigosa, na medida
em que o carrinho não tinha freios, nem havia como parar no final da rampa. É
claro que muita gente se machucava, até que o brinquedo fosse aperfeiçoado e
ganhasse o mundo.
Provavelmente muitos dos que se
feriam nas montanhas-russas iam para a cucuia, mesmo sem o saber. Embora haja
muitas controvérsias em relação à origem dessa locução genuinamente brasileira,
consta que mapas antigos da cidade do Rio de Janeiro registravam uma área, na
Ilha do Governador, em que se localizava um cemitério, inaugurado em 1904, cujo
nome era Cucuia. Dessa forma, “ir para Cucuia” (sem o artigo “a”) significava
desde o início morrer, como alusão a esse antigo cemitério, passando
posteriormente a designar qualquer situação que não tivesse final feliz.
Todavia, há quem defenda que cucuia
deriva da palavra tupi kui, que
significa “cair, ir para a decadência”, e a duplicação da palavra teria
derivado kukui, resultando em cucuia, que não deixa de ser um nome bem
apropriado para um cemitério.
Patavina se refere à cidade
italiana de Pádua, cujo nome em latim era Patauium.
A tradição diz que o historiador romano Tito Lívio, nascido em Pádua/Patauium, usava o latim de maneira
bastante peculiar, de modo que as pessoas tinham dificuldade em entendê-lo.
Outra explicação relata que os portugueses raramente entendiam o que os
mercadores e religiosos patavinos (de Pádua) diziam.
Há uma relação bem interessante
entre Portugal e a cidade italiana de Pádua. O famoso Santo Antônio, nosso
querido casamenteiro, nasceu em Lisboa e morreu em Pádua. Assim, Santo Antônio
de Lisboa e Santo Antônio de Pádua são a mesma pessoa.
De todo jeito, patavino é
relativo à cidade de Pádua, e não entender patavina continua significando não
entender absolutamente nada do que foi dito.
Mas, depois de todas essas
explicações sobre locuções tradicionais da nossa bela língua portuguesa, acho
difícil alguém dizer que não entendeu patavina.
Abraço e até o nosso próximo encontro.
Todos os dias a gente aprende algo, nao? Gostei de aprender de onde vem estas expressões. Obrigada
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