Por Marco Haurélio.
Para
quem leu as notas dos Contos Tradicionais
do Brasil, de Câmara Cascudo, o nome de Carmen Lyra não soa estranho.
Autora de Los Cuntos de mi Tia Panchita,
coletânea de contos tradicionais da Costa Rica, sua terra natal, Carmen Lyra
(1887-1949) é praticamente desconhecida no Brasil. Que eu saiba, jamais houve
tradução desta obra, publicada em 1936, para o português, exceção feita ao
conto El tonto de las adivinanzas,
incluído por Aurélio Buarque e Paulo Rónai num dos volumes de Mar de Histórias, talvez pelo fato de o
protagonista ser o nosso João Grilo, celebrado na tradição popular, no cordel
(por autores como o clássico João Ferreira de Lima e o contemporâneo Pedro
Monteiro) e na peça Auto da Compadecida,
de Ariano Suassuna.
Mas
há muito mais tesouros na coletânea. La negra y La rubia é a versão
costarriquenha de Cinderela. El pájaro Dulce Encanto, com a história
do rei cego e do príncipe que sai em busca de um remédio para o pai, revive o
livro bíblico de Tobias, sem faltar
sequer o motivo do morto agradecido que salva o protagonista da traição dos
irmãos invejosos. Com início semelhante, mas desfecho diferente, La flor del Olivar traz o motivo do osso
que canta (para revelar um crime), presente nos Contos dos Grimm e em inúmeras outras coletâneas. Uvieta, a história do sujeito
aparentemente simplório que presta favores a personagens sagrados, recebendo em
troca o dom de fazer entrar em um saco tudo o que ordenar, é o nosso velho João Soldado, importado de Portugal,
cujo nome não é indiferente a quem leu o clássico da literatura de cordel
escrito por Antônio Teodoro dos Santos. E ainda temos La cucarachita Mandinga, um simpático conto de fórmula
(acumulativo), que vem a ser a nossa Dona Baratinha (ou Carochinha) que desposa
o desventurado João (ou Dom) Ratão (Ratón Pérez na história compilada por
Carmen Lyra).
O
personagem mais presente no livro é, no entanto, o tío Conejo (o amigo Coelho
das nossas fábulas), sempre às voltas com inimigos mais fortes, como o tío
Tigre, tío Coiote e tía Zorra (Raposa) e menos inteligentes. É o mesmo Br’er Rabbit (irmão Coelho) dos Estados Unidos e das Bahamas, de origem africana, que inferniza a vida de
seus tradicionais inimigos, o principal deles a raposa, e que protagoniza as
aventuras compiladas e recontadas por Chandler Harris na obra Uncle Remus, publicada em 1881. Por que tío Conejo tiene las orejas tan
largas, conto animal de feitio etiológico, assemelha-se aos contos O macaco que pediu sabedoria a Deus, que
recolhi na Bahia e publiquei em Contos
Folclóricos Brasileiros (Paulus, 2010) e O coelho que pediu o crescimento a Deus, que integra a obra Contos e Fábulas do Brasil (Nova Alexandria, 2011).
E
embora dialogue o tempo todo com nossas tradições mais caras, não temos dado a
merecida atenção a esta e a outras obras produzidas por estes quadrantes,
ocupados demais, talvez, com o outro lado do Oceano Atlântico.

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