sexta-feira, 25 de setembro de 2015

De jiló, muriçoca, bife duro e despedidas


Por André J. Gomes.

Olha, alguém me disse que você vai embora. Que vai mudar de cidade, de país, de planeta. Então vem se despedir. Senti um gelo na barriga. Uma vontade de sair correndo, sabe? Um ímpeto de desaparecer e voltar depois, mais tarde, quando você já tiver partido. Não por nada. É que eu não gosto de despedidas.

Não gosto, não. Não gosto mesmo desse negócio. Resisto a tudo. Jiló, muriçoca, bife duro, ar-condicionado quebrado, vizinho barulhento, internet lenta. Tudo! Menos despedida. Quem é que gosta? É, tem sempre um e outro que não se importam. Eu, não. Eu fujo, corro, me escondo. Assumo minha total e absoluta covardia. Eu sou um covarde de despedidas.
Cá entre nós, eu fico pensando que o mundo tem no mínimo dois tipos de pessoas de quem somos levados a nos despedir: aquelas cuja falta nos doerá e as outras, de quem queremos mesmo distância e não mais vê-las será um alívio. Em qualquer desses casos, o instante de se despedir é sempre difícil. De um lado, ver partir aqueles que amamos é uma coisa chata mesmo, aborrecida de nascença. Do outro, quanto àqueles que não queremos por perto, esses no fundo não merecem sequer um segundo de mesuras finais. Você, claro, é dessa gente difícil de ver partir.
Por isso eu prefiro não me despedir. Isso também acontece quando sou eu aquele que segue seu caminho pela vida. Não me despeço. Porque partir sem dizer adeus é a expressão mais honesta da minha vontade de, quem sabe, voltar. Eu troco fácil, fácil, o “adeus” pelo “até já”. Evitar a despedida é driblar o fim, guardar em nós o gosto bom do encontro e sonhar com a próxima vez.
Quer saber? Eu tenho a impressão de que não suporto esse negócio de adeus por um motivo muito simples: quando nos despedimos, nós morremos um pouco. Despedida é fogo! Vamos embora com quem parte, guardamos conosco quem vai. Essas coisas de que tanto já se falou por aí. Uma despedida é um pedaço de morte, ela mesma, rindo da nossa cara, lembrando descaradamente que, olha, uma hora isso tudo vai acabar, hein! Tudo acaba como acabou a companhia do bom amigo que partiu, como o amor que esfriou, como a festa que findou na saída do último convidado. Então, aproveita pra viver que a vida é agora!
Você sabe. Vira e mexe eu penso nas pessoas boas com quem caminhei por aí. De nenhuma delas eu me despedi. Ora porque não tive a chance mesmo, ora porque eu não quis. Umas eu encontrei de novo, de verdade, com abraço e tudo. Outras eu revejo sempre, reencontro-as, mas só quando penso nelas à noite, bêbado de sono e saudade. Essa noite eu vou pensar em você.
Verdade. Vou lembrar sua companhia como lembro das minhas avós no tempo em que ia com elas às procissões religiosas na infância. A gente achava bonito andar todo mundo assim, no meio da rua, no meio da noite. Os carros, as motos e ônibus, caminhões e peruas dormindo nas garagens e terrenos e cantos de calçada, os motores desligados, sonhando estradas tranquilas. O mundo se tornava apenas nós, transeuntes, pedestres tomados por uma fé tranquila, caminhando pé depois do outro na procissão. E era como se todos ali, desconhecidos uns dos outros, os rostos iluminados de velas calmas, nos tornássemos mais íntimos e melhores, mais irmãos, velhos amigos certos de que a vida era mesmo aquilo, um seguir em frente juntos.
Aí vinha o fim do cortejo, o Santo deixava o andor e voltava a seu lugar no altar da Igreja e cada família retornava à sua casa. Nós então seguíamos sem despedidas, e na manhã seguinte seríamos mais do que os mesmos estranhos de sempre.
Eu não me despedi de você e espero que você compreenda. A gente se vê na estrada. É assim a vida. Cheia de idas e vindas. Mal dizemos um “adeus” e o “olá” seguinte se precipita. A vida nos sacode pra cá e pra lá como passageiros de um ônibus sem bancos, descendo uma ladeira esburacada e cheia de curvas, conduzido por um motorista rebelde. De quando em vez, um de nós salta e toma outro rumo.
Dessa vez foi você. Eu sigo aqui, torcendo, feliz por alguém que fez de mim um ser humano diferente, nem melhor e nem pior. Mesmo sem me despedir. Você sabe. Despedir-se é morrer um pouco. E contra isso o melhor remédio é viver. Seguir em frente.
Lá vem você abraçar os que ficam. Eu vou sair de fininho. Vou ali comer um jiló, um bife duro, ser picado por uma muriçoca, desligar o ar-condicionado, dar um alô ao vizinho barulhento. E já volto, depois que você tiver partido. Deixe um abraço para mim e vamos à vida. É nela que a gente se encontra. A gente se encontra na vida.

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