Por André J. Gomes.
Olha,
alguém me disse que você vai embora. Que vai mudar de cidade, de país,
de planeta. Então vem se despedir. Senti um gelo na barriga. Uma vontade
de sair correndo, sabe? Um ímpeto de desaparecer e voltar depois, mais
tarde, quando você já tiver partido. Não por nada. É que eu não gosto de
despedidas.
Não
gosto, não. Não gosto mesmo desse negócio. Resisto a tudo. Jiló,
muriçoca, bife duro, ar-condicionado quebrado, vizinho barulhento,
internet lenta. Tudo! Menos despedida. Quem é que gosta? É, tem sempre
um e outro que não se importam. Eu, não. Eu fujo, corro, me escondo.
Assumo minha total e absoluta covardia. Eu sou um covarde de despedidas.
Cá
entre nós, eu fico pensando que o mundo tem no mínimo dois tipos de
pessoas de quem somos levados a nos despedir: aquelas cuja falta nos
doerá e as outras, de quem queremos mesmo distância e não mais vê-las
será um alívio. Em qualquer desses casos, o instante de se despedir é
sempre difícil. De um lado, ver partir aqueles que amamos é uma coisa
chata mesmo, aborrecida de nascença. Do outro, quanto àqueles que não
queremos por perto, esses no fundo não merecem sequer um segundo de
mesuras finais. Você, claro, é dessa gente difícil de ver partir.
Por
isso eu prefiro não me despedir. Isso também acontece quando sou eu
aquele que segue seu caminho pela vida. Não me despeço. Porque partir
sem dizer adeus é a expressão mais honesta da minha vontade de, quem
sabe, voltar. Eu troco fácil, fácil, o “adeus” pelo “até já”. Evitar a
despedida é driblar o fim, guardar em nós o gosto bom do encontro e
sonhar com a próxima vez.
Quer
saber? Eu tenho a impressão de que não suporto esse negócio de adeus
por um motivo muito simples: quando nos despedimos, nós morremos um
pouco. Despedida é fogo! Vamos embora com quem parte, guardamos conosco
quem vai. Essas coisas de que tanto já se falou por aí. Uma despedida é
um pedaço de morte, ela mesma, rindo da nossa cara, lembrando
descaradamente que, olha, uma hora isso tudo vai acabar, hein! Tudo
acaba como acabou a companhia do bom amigo que partiu, como o amor que
esfriou, como a festa que findou na saída do último convidado. Então,
aproveita pra viver que a vida é agora!
Você
sabe. Vira e mexe eu penso nas pessoas boas com quem caminhei por aí.
De nenhuma delas eu me despedi. Ora porque não tive a chance mesmo, ora
porque eu não quis. Umas eu encontrei de novo, de verdade, com abraço e
tudo. Outras eu revejo sempre, reencontro-as, mas só quando penso nelas à
noite, bêbado de sono e saudade. Essa noite eu vou pensar em você.
Verdade.
Vou lembrar sua companhia como lembro das minhas avós no tempo em que
ia com elas às procissões religiosas na infância. A gente achava bonito
andar todo mundo assim, no meio da rua, no meio da noite. Os carros, as
motos e ônibus, caminhões e peruas dormindo nas garagens e terrenos e
cantos de calçada, os motores desligados, sonhando estradas tranquilas. O
mundo se tornava apenas nós, transeuntes, pedestres tomados por uma fé
tranquila, caminhando pé depois do outro na procissão. E era como se
todos ali, desconhecidos uns dos outros, os rostos iluminados de velas
calmas, nos tornássemos mais íntimos e melhores, mais irmãos, velhos
amigos certos de que a vida era mesmo aquilo, um seguir em frente
juntos.
Aí
vinha o fim do cortejo, o Santo deixava o andor e voltava a seu lugar
no altar da Igreja e cada família retornava à sua casa. Nós então
seguíamos sem despedidas, e na manhã seguinte seríamos mais do que os
mesmos estranhos de sempre.
Eu
não me despedi de você e espero que você compreenda. A gente se vê na
estrada. É assim a vida. Cheia de idas e vindas. Mal dizemos um “adeus” e
o “olá” seguinte se precipita. A vida nos sacode pra cá e pra lá como
passageiros de um ônibus sem bancos, descendo uma ladeira esburacada e
cheia de curvas, conduzido por um motorista rebelde. De quando em vez,
um de nós salta e toma outro rumo.
Dessa
vez foi você. Eu sigo aqui, torcendo, feliz por alguém que fez de mim
um ser humano diferente, nem melhor e nem pior. Mesmo sem me despedir.
Você sabe. Despedir-se é morrer um pouco. E contra isso o melhor remédio
é viver. Seguir em frente.
Lá
vem você abraçar os que ficam. Eu vou sair de fininho. Vou ali comer um
jiló, um bife duro, ser picado por uma muriçoca, desligar o
ar-condicionado, dar um alô ao vizinho barulhento. E já volto, depois
que você tiver partido. Deixe um abraço para mim e vamos à vida. É nela
que a gente se encontra. A gente se encontra na vida.
Lindo... escrevam mais, por favor!
ResponderExcluirAmigos, revendo minha timeline no Facebook, achei a publicação que tinha compartilhado esse texto do blog. Que coisa gostosa! Mensagens assim, bem escritas, estão muito em falta hoje em dia.
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