terça-feira, 16 de setembro de 2014

BRINCANDO COM A LÍNGUA - E se a pizza acabar?

Por Therezinha Hernandes.
  
Quantas vezes não ouvimos que alguma coisa vai acabar em pizza? Com isso, quer-se dizer que algo não vai ter solução, que tudo vai continuar como está.

Quando alguém deveria tomar uma atitude, mas se omite, diz-se que essa pessoa está “dando uma de joão-sem-braço”.

Você já se perguntou de onde vêm essas expressões?

Hoje vamos desvendar algumas delas.
  
Algumas resultam de mal-entendidos. Sem compreender direito as palavras, as pessoas saíam repetindo as frases de forma distorcida.

É esse o caso de “cuspido e escarrado”, quando se quer dizer que uma pessoa é extremamente parecida com outra. A frase original é “esculpido em carrara”, numa alusão à perfeição das esculturas feitas num mármore de excepcional qualidade extraído na região da comuna de Carrara, na Itália. Escarro é uma coisa muito nojenta. Uma bela peça de mármore é muito mais plausível quando se trata de uma representação perfeita de alguém.

“Batatinha, quando nasce, esparrama pelo chão”. Esses versos populares revelam um equívoco: a batata é um tubérculo; portanto, fica debaixo da terra. Como pode então se esparramar pelo chão, se está debaixo dele? O que se vê acima do solo são as folhagens (ramas), e assim a expressão correta é “batatinha, quando nasce, espalha a rama pelo chão”.

“Cor de burro quando foge” sempre parece indicar que o burro em fuga muda de cor, mas não é nada disso. A tradição oral aos poucos foi modificando a frase, que inicialmente era “Corra de burro quando ele foge”, pois esse animal é realmente perigoso se enraivecido, e é obstinado quando persegue algo ou alguém.
Usa-se essa expressão como referência a uma cor indefinida ou esmaecida, mas na origem era sinônimo de prudência.

Ainda falando de expressões inspiradas em animais, “quem não tem cão caça com gato”, denotando que, se um problema não se resolve de uma determinada maneira, é necessário encontrar outra solução. Na verdade, o cão é um animal de matilha; os cães selvagens caçam em grupo. Já os felinos são animais solitários e independentes (sim, sim – os leões não seguem essa regra) e por isso caçam sozinhos. O dito popular, então, é “quem não tem cão caça COMO gato”, ou seja, sozinho.

“Cair no conto-do-vigário” até hoje significa ser enganado por um estelionatário, ter prejuízo. Espertalhões não faltam neste mundo. Essa expressão, porém, tem um fundo real, quando uma imagem de Nossa Senhora dos Passos, presenteada pelos espanhóis à cidade mineira de Ouro Preto, foi disputada pelos vigários de duas igrejas (Nossa Senhora do Pilar e Nossa Senhora da Conceição). A fim de resolver o impasse, o vigário do Pilar propôs amarrar a imagem no lombo de um burro, que seria colocado no meio do caminho entre as duas igrejas. O rumo que o burro tomasse indicaria a igreja vencedora. Quando solto, o animal imediatamente seguiu para a Igreja do Pilar. Mais tarde, descobriu-se que o burro pertencia ao vigário daquela paróquia, cuja esperteza rendeu a expressão usada até hoje.

Deixar alguma coisa ao “Deus-dará” significa não tomar nenhuma decisão, abandonar alguma coisa ou alguém à própria sorte. Essa expressão é usada desde tempos muito antigos, quando os transeuntes, tentando se esquivar das mãos estendidas dos pedintes, diziam “Deus dará” (eu não lhe dou esmola, mas Deus dará). E lá ficava o mendigo, seguindo a vida aos trancos e barrancos.

Aliás, “aos trancos e barrancos” é outra expressão usada até hoje para indicar uma situação penosa, algo que segue adiante ainda que enfrentando dificuldades. A palavra tranco, além de significar um golpe brusco (golpe físico ou do destino), também é o nome que se dá ao salto do cavalo. Em Portugal, de onde se originou a frase, barranco é uma vala aberta no chão por mãos humanas ou por ações da natureza. No Brasil, barranco é a ribanceira de um rio de margem íngreme. De qualquer maneira, andar por um terreno acidentado no lombo de um cavalo que dá trancos é uma imagem muito bem associada às vicissitudes.

Depois de contos-do-vigário, de trancos e barrancos, e também de correr de burro quando foge, melhor acabar tudo em pizza. De onde vem essa expressão? Do futebol!

Hoje em dia, “acabar em pizza” é uma frase muito empregada quando se fala de política, ou de julgamentos que não resultam na devida punição. No entanto, sua origem está na década de 1960, quando alguns dirigentes do Palmeiras (Sociedade Esportiva Palmeiras, antigo Palestra Itália) se reuniram para tratar de problemas do clube, resultando em muitas brigas, sem que se chegasse a nenhuma solução. Após catorze horas de discussão, todos estavam com muita fome e resolveram ir para uma pizzaria. Lá, depois de muitos canecos de chope e dezoito pizzas, desistiram do debate e tudo ficou por isso mesmo.

Se as decisões forem adiadas, acabando sempre em pizza, a vida pode se tornar uma casa-da-mãe-joana – mas isso já fica para a próxima conversa, que já fica prometida, pois não sou nenhum joão-sem-braço.

2 comentários:

  1. Beleza, dona Thereza. Depois vou reunir uns ditados pra te andar. Beijos.

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  2. Texto cativante e elucidativo Therezinha Hernandez.
    Bjo !

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