terça-feira, 2 de setembro de 2014

Por dentro da Prisão - Nelson Mandela mandado para a prisão novamente

Por Jeosafá.

Com frequência, a editora Nova Alexandria recebe carta de leitores – e os leitores estão por toda parte.

Quando digo carta, digo aquela que se escreve no papel e se posta no correio com a esperança de que ela chegue mais do que no endereço, no coração do destinatário. E quando digo por toda parte, digo inclusive nas mais inusitadas.

Algumas dessas cartas vêm de presídios, em que o livro e a leitura ganham dimensões mais significativas, pois, por meio de ambos, os leitores em condição de encarceramento aspiram, mais do que diálogo com uma empresa do ramo editorial, a uma porta pela qual sair com dignidade, cumpridas suas penas.

Recentemente, um leitor de um dos presídios do país – tanto seu nome quanto o do estabelecimento prisional são aqui omitidos por razões justas  – solicitou o envio de biografias que o ajudassem a escrever a sua própria. Na carta, em que pesem as dificuldades de linguagem, de resto, comum em muitos de nossos estudantes mesmo do Ensino Médio, ele se comunica com objetividade, segurança e, se assim podemos dizer, alma.

Enviamos para o remetente o romance O Jovem Mandela, lançado em 2013 em comemoração aos 95 anos desse grande guerreiro da liberdade. A rapidez com que o solicitante respondeu ao nosso envio, em que se inclui o volume do romance-biografia, diz com que voracidade o destinatário leu o livro.

Sua carta de agradecimento é comovente, mas também é um compromisso que ele assume consigo mesmo e com as pessoas que confiam em sua capacidade de dar a volta por cima – e sair pela porta da frente do sistema prisional, de cabeça erguida.

Porém, lancei a ele um desafio, já que ele gosta de ler e pediu auxílio para escrever a sua biografia. O desafio é que ele compartilhe com os colegas a leitura dos livros que enviarmos, formando um clube de leitura. Nosso amigo, o jornalista João Marques, se dispôs a orientá-lo sobre como organizar reuniões em que trechos são lidos, comentados, debatidos, estudados etc. Eu, que por tantos anos fui professor de língua e literatura da Educação Básica e do Ensino Superior, corrigirei seus textos, que me chegarão por carta, e o orientarei sobre aspectos de correção linguística, técnicas de leitura em voz alta para diversão,  estudo e produção escrita.

Convido agora o leitor do blog comunitário da Nova Alexandria a ler a carta enviada por ele. E me comprometo desde já a dar notícias sobre essa iniciativa, que se iniciou pela vontade de um leitor em condição muito específica, mas que encontrou eco na editora e neste autor que se despede, por ora sem nenhum remorso de ter mandado Nelson Mandela novamente para a prisão.

Resposta à carta acima:


Prezado  amigo:

Recebi  sua carta, vou ajudá-lo a escrever sua biografia. Uma vez que você gosta de ler e escrever,  e outra vez que sou professor, faço-lhe um desafio: compartilhar com seus colegas a leitura dos livros que lhe enviar.
Se aceitar o desafio, meu amigo jornalista João Marques passará a se corresponder com você para orientá-lo sobre como organizar um clube de leitura aí onde você se encontra, tirando o maior e melhor proveito dos  livros enviados. Da minha parte, corrigirei os erros de português dos textos que me enviar, providenciarei a digitalização, darei dicas de como ler em voz alta, em voz baixa, para diversão, para estudo etc.

Responda-me duas perguntas:

1. Você tem um dicionário de língua portuguesa com você ou tem acesso a algum no presídio?

2. Você tem um livro de gramática com você ou tem acesso a algum no presídio?

Agradeço a leitura atenta que fez de meu romance-biografia O jovem Mandela. Penso que você aprenderá muito compartilhando a leitura desse livro com os colegas. Há coisas que, na conversa, na discussão sobre um livro, descobrimos –  e que nos escaparam na leitura solitária.

Publiquei um texto sobre você e sua carta no blog da editora, naturalmente omitindo seu nome e o local de onde escreve. Segue o endereço na internet para que seus familiares tenham acesso. Futuramente, caso deseje e a legislação permita, seu nome poderá ser divulgado.

Felicito-o pela escolha da porta pela qual escolheu para sair da prisão: a da leitura e da literatura. Ou seja, a porta da frente.

Segue com esta O Jovem Martin Luther King, para que você pense bem neste desafio.
Forte Abraço e, se leu atentamente O Jovem Mandela, sabe o significado da saudação abaixo:
– Amandla!
– Ngawethu!

Jeosafá Fernandez Gonçalves

10 comentários:

  1. Oi, Jeosafá.
    Pode ter sido por força do acaso que essa carta caiu em nossas mãos, mas ela só vem confirmar que estamos no caminho certo, em nossa luta pela valorização do livro e incentivo à leitura literária.
    Forte abraço!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Caro João:

    A reincidência de crimes no Brasil é altíssima, e isso quer dizer que não apenas o tempo passado na prisão não apenas foi inútil, como ainda oferece situações de estímulo para que o sentenciado retorne ao crime. A leitura, prática em si constitutiva de valores, pode e deve frequentar os presídios para oferecer contraponto a essa verdadeira escola do crime em que se converteram nossas prisões. Nosso Clube de Leitura da Biblioteca Monteiro Lobato pode e deve receber essa mão que nos foi estendida. Porém, podemos pensar em um verdadeiro projeto a ser oferecido ao poder público, de maneira que clubes de leitura proliferem, organizadamente, para inserir na vida dos presidiários elementos de valores éticos, morais e humanos a partir dos quais eles possam reconstruir suas vida, finda suas penas. VAMOS ACEITAR ESSA MÃO ESTENDIDA E ESSE DESAFIO? EU, SIM!

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  4. Caros Jeosafá e os outros amigos e amigas do nosso Clube de Leitura.

    Eu também aceito a mão estendida e o desafio! Conversei com a coordenação da biblioteca, que se animou com a ideia e disse que pode nos ajudar, com acervo, apoio e outros recursos.
    Que maravilha, nossos encontros pra conversar sobre as narrativas de autores brasileiros contemporâneos está criando sua própria narrativa.
    Abraços!

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  5. Fiquei realmente emocionada com todo esse movimento. Vocês são demais. João, sem palavras amigo.

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  6. E tem gente que prefere acreditar que o Brasil não tem jeito e que nada mudou. Jeosafá, você sabe o quanto eu acredito em seu trabalho! Mais uma história linda, que faz a gente ter a certeza de que o que fazemos vale a pena. Abraço, querido amigo, Susana

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  7. Prezado Jeosafá, chamo-me Marcos Cortinovis Carvalho, leciono Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro, lotado em uma escola prisional. Sou professor do aluno que está se correspondendo contigo e estou acompanhando-o nessa "incrível jornada". Já te adianto que ele está muito contente com a tenção dada a ele e quer corresponder a todas as expectativa sobre ele. Quando disse a ele, após ler a sua carta, que eu iria buscar no blog da editora a sua publicação, ele não parou de me perguntar até que eu mostrasse para ele o seu texto.
    Creio que temos muitas informações que podem ser trocadas não somente a respeito dele (o aluno), mas também sobre o ensino nas prisões, que, com certeza, é uma luz para os alunos que vivem em situação de cárcere.
    Em outubro faremos nosso "Café Literário", evento em que os alunos apresentam seus trabalhos com base em um tema proposto (neste ano o tema é Ética). Quem sabe você ou algum representante da editora não possam estar conosco no dia. Caso tenha algum interesse, meu e-mail é mcortinovis@gmail.com.
    Forte abraço.
    Paz e Bem!

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  8. Prezado Jeosafá, chamo-me Marcos Cortinovis Carvalho, leciono Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro, lotado em uma escola prisional. Sou professor do aluno que está se correspondendo contigo e estou acompanhando-o nessa "incrível jornada". Já te adianto que ele está muito contente com a atenção dada a ele e quer corresponder a todas as expectativa sobre ele. Quando disse a ele, após ler a sua carta, que eu iria buscar no blog da editora a sua publicação, ele não parou de me perguntar até que eu mostrasse para ele o seu texto.
    Creio que temos muitas informações que podem ser trocadas não somente a respeito dele (o aluno), mas também sobre o ensino nas prisões, que, com certeza, é uma luz para os alunos que vivem em situação de cárcere.
    Em outubro faremos nosso "Café Literário", evento em que os alunos apresentam seus trabalhos com base em um tema proposto (neste ano o tema é Ética). Quem sabe você ou algum representante da editora não possam estar conosco no dia? Caso tenha algum interesse, meu e-mail é mcortinovis@gmail.com.
    Forte abraço.
    Paz e Bem!

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  9. Boa noite. Sou prof de Educacao Fisica na Unidade onde este aluno estuda. Conversamos e discutimos muito sobre diversos assuntos em nossas aulas, estamos todos anciosos com a resposta a carta que o aluno enviou apos receber a noticia da publicacao aqui na pagina.

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