segunda-feira, 4 de agosto de 2014

BRINCANDO COM A LÍNGUA - O enigma do leite de cabra em pó

 Por Therezinha Hernandes.

Numa das nossas conversas anteriores, mencionei uma manchete que dizia haver sido criada uma “máquina de gelo solar na Amazônia”.
Quando lemos algo assim, podemos nos perguntar:

* se a máquina é feita de gelo ou se ela produz gelo (máquina de gelo);

* se existe gelo no sol (!!!) e, se existe (!!!), como fazer para conseguir um pedaço.

Claro que a segunda pergunta pode ser respondida facilmente, mas ainda assim a expressão “máquina de gelo solar” encerra ambiguidades que precisam ser desfeitas.

Naquele texto, foi proposto um desafio, que era desfazer a confusão do “leite de cabra em pó”. Neste caso, se apenas invertermos a ordem dos elementos da expressão, teremos sempre “cabra em pó” ou “pó de cabra”.

A resposta está nas locuções adjetivas. Vamos falar um pouco sobre elas.

As locuções são expressões compostas de duas ou mais palavras, mas que possuem o valor de uma única palavra. Locuções adjetivas, portanto, são um conjunto de duas ou mais palavras com valor de um único adjetivo. Assim:

* dia de chuva = dia chuvoso             

* homem sem alma = homem desalmado

* doença do fígado = doença hepática


Muitas vezes, porém, não existe um adjetivo correspondente à locução, mas ainda assim a expressão equivale a um adjetivo:

* muro de tijolos

* estudantes do 9.º ano

“De tijolos” e “do 9.º ano” são locuções adjetivas que não têm um adjetivo equivalente.

Como se vê dos exemplos acima, as locuções adjetivas (assim como todas as locuções) sempre são iniciadas por preposição (de chuva, sem alma) seguida de um substantivo (de chuva, sem alma), mas podem ser compostas de mais de duas palavras (estudantes do 9.º ano = preposição + numeral + substantivo).

Vamos ver uma lista de locuções adjetivas e seus adjetivos equivalentes:

de águia
aquilino
de aluno
discente
de anjo
angelical
de ano
anual
de aranha
aracnídeo
de asno
asinino
de baço
esplênico
de bispo
episcopal
de bode
hircino
de boi
bovino
de bronze
brônzeo ou êneo
de cabelo
capilar
de cabra
caprino
de campo
campestre ou rural
de cão
canino
de carneiro
arietino
de cavalo
cavalar, equino, equídio ou hípico
de chumbo
plúmbeo
de chuva
pluvial
de cinza
cinéreo
de coelho
cunicular
de cobre
cúprico
de couro
coriáceo
de criança
pueril
de dedo
digital
de diamante
diamantino ou adamantino
de elefante
elefantino
de enxofre
sulfúrico
de esmeralda
esmeraldino
de estômago
estomacal ou gástrico
de falcão
falconídeo
de farinha
farináceo
de fera
ferino
de ferro
férreo
de fígado
figadal ou hepático
de fogo
ígneo
de gafanhoto
acrídeo
de garganta
gutural
de gelo
glacial
de gesso
gípseo
de guerra
bélico
de homem
viril ou humano
de ilha
insular
de intestino
celíaco ou entérico
de inverno
hibernal ou invernal
de lago
lacustre
de laringe
laríngeo
de leão
leonino
de lebre
leporino
de lobo
lupino
de lua
lunar ou selênico
de macaco
simiesco, símio ou macacal
de madeira
lígneo
de marfim
ebúrneo ou ebóreo
de mestre
magistral
de monge
monacal
de neve
níveo ou nival
de nuca
occipital
de orelha
auricular
de ouro
áureo
de ovelha
ovino
de paixão
passional
de pâncreas
pancreático
de pato
anserino
de peixe
písceo ou ictíaco
de pombo
columbino
de porco
suíno ou porcino
de prata
argênteo ou argírico
dos quadris
ciático
de raposa
vulpino
de rio
fluvial
de serpente
viperino
de sonho
onírico
de terra
telúrico, terrestre ou terreno
de trigo
tritício
de urso
ursino
de vaca
vacum
de velho
senil
de vento
eólico
de verão
estival
de vidro
vítreo ou hialino
de virilha
inguinal
de visão
óptico ou ótico


Muitos desses adjetivos não são usados na linguagem diária. Por exemplo, nós jamais encontraríamos farinha tritícia no supermercado – mas farinha de trigo com certeza pode ser comprada nas melhores casas do ramo.

E agora, o mistério do leite de cabra em pó. Se não temos cabras em pó (cabras reduzidas a pó), a simples inversão também não resolve o problema, pois “cabra em pó” se tornaria “pó de cabra”, o que dá na mesma.

No entanto, “leite de cabra” é algo que efetivamente existe. Assim, temos que deixar essa expressão intacta. Então, como resolver o enigma? Trocando “de cabra”, que é uma locução adjetiva referente ao substantivo “leite”, pelo seu adjetivo equivalente, ou seja, “caprino”.

Desse modo, teremos “leite caprino em pó”, que poderemos comercializar sem que alguma organização protetora de animais nos acuse de crueldade.


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