quarta-feira, 2 de julho de 2014

CINEME-SE - Cinema é aventura

Por Plínio de Mesquita Camargo.

Em 1923, Campinas pareceu que seria a Hollywood brasileira; culpa de Amilar Alves, intelectual e dramaturgo ‘oficial’ da cidade, que resolveu transformar sua peça João da Mata em filme, e fez sucesso até no Rio de Janeiro.

“E. C. Kerrigan, americano, diretor, ex-Paramount”, apresentou-se um elegante senhor recém-chegado a Campinas, e bem depressa arranjou quem produzisse Sofrer para gozar, um faroeste de amor. Deu certo (isto é, encheu as salas da região), e ele já iniciava seu segundo filme campineiro quando alguém teve a ideia de apresentar-lhe um turista americano, e se descobriu que, da língua de D. W. Griffith, Mr. Kerrigan sabia pouco mais que gudibái. Campinas, então, disse-lhe: Good bye.
Mas, ali mesmo em São Paulo, Adalberto de Almada Fagundes, fabricante de louça, estava construindo uma fábrica de filmes, e nessa porta E. C. K. foi bater. Fagundes abriu e, tendo escrito o roteiro de Quando elas querem, drama romântico, deu-o para Kerrigan dirigir. Fracasso retumbante, o filme (de 1925) fez Fagundes voltar a pensar só em louças.

E. C. K., esse logo estava em Minas, Três Corações, tratando de convencer os irmãos Masotti, bem sucedidos produtores de documentários, a produzir filmes de ficção. Fizeram Corações em suplício, outro drama romântico, outro fracasso. Kerrigan (que, além de dirigir, atuou no filme sob o pseudônimo William Gouthier) não ficou em Minas por tempo bastante para ver a falência de Américo e Carlos Masotti; partiu antes para o Rio Grande do Sul.
Em Porto Alegre, E. C. K. logo achou quem produzisse Joia do bem, que nunca ficou pronto, e Amor que redime, cópia descarada de um filme americano, que passou em 1927 e deve ter dado dinheiro, já que os mesmos produtores bancaram Revelação, história de amor e crime filmada em 1929.

Em 1930 os jornais de Curitiba avisavam: Esse E. C. Kerrigan, que abriu uma tal Academia Cinematographica Paranaense, não é pessoa em que se possa confiar. E. C. Kerrigan, então, sumiu do mapa do cinema brasileiro, como muita gente sumiu quando os filmes ganharam som.
Gilberto Rossi, pioneiro ítalo-paulista do cinema, ria muito quando lhe falavam de E. C. Kerrigan. Lembrava-se do Conde Eugenio Maria Piglione Rossiglione de Farnet, que, um dia nos anos 1920, aparecera em seu estúdio, muito elegante e cheio de planos cinematográficos. Rossi o dispensou.

Em 1956, morreu em Porto Alegre o Sr. Eugenio Centenaro, ou Conde Eugenio Maria Piglione Rossiglione de Farnet, ou William Gouthier, ou E. C. Kerrigan, conhecido por, entre outros feitos, ter-se passado por adivinho hindu e ter-se envolvido no tráfico de mulheres.


VAI BRASIL!


Plínio de Mesquita Camargo é cineclubista, poeta e trabalha hoje na Biblioteca Paineiras, do Centro Cultural Vladimir Herzog, de Diadema. Da geração 70 e 80 de poetas undergrounds de São Paulo, publico em mimeógrafo e xerox. Pela Edita Plêiade, publicou em 2012 o volume de poemas Folhas Ta(o)ntas. Pela editora Nova Alexandria escreveu Breve história do cinema brasileiro, no prelo. Escreve a coluna Cineme-se no blog a editora Nova Alexandria a coluna, e passa a assiná-la todas as quartas-feiras.

http://blognovaalexandria.blogspot.com.br/2014/06/novela-dr-monstro-no-futuro-viver-sera.html



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