segunda-feira, 23 de junho de 2014

CRÔNICA DO RÔNI - Colecionador de sonhos

Por Roniwalter Jatobá.

Durante muito tempo, guardei as mais estranhas coisas. Aos seis anos de idade, não me apartava de um monte variado de bolinhas de gude. Depois, chegou a época das borboletas. Já um pouco mais crescido, baixou em mim o espírito de um pesquisador científico e passei noturnamente a recolher besouros. Só para se ter uma ideia, reuni, numa cômoda de casa, cerca de 40 espécimes, desde o cascudo, que parecia uma joaninha, até o raro besouro-saltador.

Comento isso ao encontrar um amigo num sábado na feira de antiguidades da praça Benedito Calixto, em Pinheiros, São Paulo. O amigo estava ali por um motivo muito pessoal. Morador no interior paulista, lá para as bandas da Alta Sorocabana, ele é colecionador de cartões-postais e possui mais de 80.000 exemplares do mundo inteiro em seu acervo.

Ele me conta que à primeira vista eles são simples retângulos de papel, mas possuem mais de um século de história. A invenção nasceu na Áustria em 1869, idealizada pelo professor Emmanuel Hermann. No Brasil, passou a ser usado pelos Correios a partir de 1880. Os primeiros não continham fotos nem desenhos. Eram simples cartolinas pré-seladas e que não necessitavam de envelopes.

A época de ouro do cartão-postal foi de 1900 a 1930, embora seja ainda muito usado hoje. Antigo ou moderno, sempre constituiu valioso recurso para os pesquisadores de história e de geografia, importantíssimo para saber o modo de vida, usos e costumes de povos e países.

– Uma coleção de postais é uma verdadeira janela para o mundo – acredita o amigo. – Além disso, é uma excelente terapia para o atribulado ser humano da atualidade, ajudando-o a combater o estresse da vida moderna. Uma espécie de fuga, uma viagem sem passaporte, sem pesadas malas, sem a confusão de rodoviárias e aeroportos.

Há, inclusive, um estudo do escritor pernambucano Gilberto Freyre sobre o cartão-postal no começo do século. Ao visitar a Feira da Ladra, em Lisboa, encontrou vários postais à venda numa barraca de antiguidades, cujo tema era a Amazônia na época áurea da borracha. A atenção dele foi despertada pelas paisagens do seu país, mas, principalmente, pelo conteúdo. As mensagens escritas no verso pelos emigrantes portugueses que vieram para a região descreviam as aventuras: o novo lar, as árvores gigantescas, os bichos, o movimento dos portos, as belezas dos teatros de Belém e Manaus. Num deles, o remetente exaltava até mesmo a maravilha do banho diário e o uso do chuveiro.

Reafirmo ao amigo interiorano, que, como a maioria das crianças, tive muitas manias. Quando menino, guardei bolinhas de gude, borboletas e besouros. Mas, na verdade, eu era muito mais um colecionador de sonhos.
  

VAI BRASIL!
 Roniwalter Jatobá nasceu em Campanário, Minas Gerais, em 1949. Vive em São Paulo desde 1970. Entre outros livros, publicou Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura 1976); Crônicas da vida operária (finalista do Prêmio Casa das Américas 1978); O pavão misterioso (finalista do Prêmio Jabuti 2000); Paragens(finalista do Prêmio Jabuti 2005); O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005),O jovem Fidel Castro (2008) e Contos Antológicos (2009). Escreve a colunaCrônica do Roni toda penúltima terça-feira do mês para o blog da editora Nova Alexandria.


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