quinta-feira, 22 de maio de 2014

VARA DE FAMÍLIA - Caso 4: Pensão alimentícia ou... O filho de Ogum

Por Inês Regina Pereira.


Quando adentrei a sala de audiências já estavam todos presentes e devidamente assentados. O réu reclamou de meu atraso, seu advogado também. Mas autora, sua advogada concordaram prontamente com a juíza, que nestas palavras pôs indivíduo em seu devido lugar:

- Ela está menstruada, meu senhor. Isso é parte de nossa natureza, pela qual mulher nenhuma deve desculpar-se.

Acredito que o réu compreendeu, pois não retrucou. Então, a Meritíssima prosseguiu:

- Ou mal me engano, ou já novos vimos este anos em audiências semelhantes, porém de outras autoras, não é mesmo...?

- É.

Ocorre que o réu, meia idade, negro-ébano apetitoso, o corpo atlético de jogador de box, era freguês nosso. Nos últimos anos, filas de mulheres entraram com ação de paternidade ou pensão alimentícia ou as duas ao mesmo tempo contra ele. Mas elas não tinham raiva dele, nem nós, pois era bem humorado e, no fundo, boa gente.

- Senhor fulano - disse a Meritíssima com açúcar na voz -, o senhor tem que conter esse fogo! Assim, não há Judiciário que aguente!

O réu balançou a cabeça desgostosamente, olhando para o tampo da mesa de audiências. E falou:

- A culpa não é minha, doutora...

- Se não é sua, então de quem é? Das moças? a juíza não estava impaciente como poderia sugerir
parecer a interrogação abrupta.

- Também não.

- Ué, então de quem é? -  aqui, a voz da Meritíssima era de compaixão, no mínimo.

- Do destino.

-  Essa agora... - aqui havia irritação, mas a frase era do advogado da autora.

- Acontece que sou filho de Ogum, doutora...

- Meritíssima - corrigi o réu.

- E o que isso significa? -  A juíza tirou da frase o peso do Judiciário, pronunciando a sincera dúvida sobre religiões africanas.

- Quem é de Ogum enfeitiça as mulheres dout... Merítissima...

- E... -  insistiu a juíza...

- A gente sofre com isso - disse o réu, hipnotizando a juíza que, todos perceberam, ficou sem condições de conduzir a audiência.




Inês Regina Pereira (codinone) é escrevente do poder judiciário paulista. Reuniu durante anos apontamentos sobre audiências na Vara de Família em que trabalhou até se  aposentar no ano de 2010. Para preservar pessoas e instituições, ela embaralha um pouco os nomes e as referências. Todavia, tudo que aqui se publicar é com base em fatos reais. Caso alguém se sinta prejudicado, solicitamos o envio de reclamação à redação, e ela será prontamente enviada servidora aposentada, que é responsável pelo que escreve e terá prazer de responder em público ou privadamente os comentários. Escreve todas as quintas-feiras para o blog da editora Nova Alexandria a coluna Vara de Família.

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