![]() |
Montagem de João Pinheiro. |
Por
Sirlene Barbosa.
Na
semana que o Brasil vence a Colômbia e assume um lugar entre os países
semifinalistas da Copa do Mundo 2014, nosso maior craque, o grande menino
Neymar, recebeu uma entrada muito malfeita e bem violenta ao ponto de tirá-lo da
Copa do Mundo no Brasil. O jogador é jovem, talentoso, está em sua melhor fase,
foi comprado pelo time espanhol Barcelona, namora uma atriz mirim global,
enfim, é o grande Neymar Jr.
O
jogador que o atingiu é um ser humano da raça negra e por conta desse fato está
sofrendo um racismo virtual, pra não dizer pessoal, de forma absurda. São xingamentos
como: “Macaco maldito, merece morrer”, entre outros “belos” chamamentos não dignos
de serem citados neste espaço.
Primeiro
ponto de interpretação sobre o roteiro “Neymar não vai jogar”: o colombiano que
o feriu em campo merece punição e ponto, mas uma punição relacionada ao banco
dos réus dos jogadores de futebol. Essas declarações racistas só mostram quão
inteligente é uma parte da torcida brasileira – isso porque há racistas que
dizem que o racismo não existe e justificam afirmando terem amigos negros e até
já ter tido um caso com uma negra ou negro...
Segundo
ponto: o colombiano é negro e o Neymar é o quê? Para justificar essa questão
recorro à obra Diário de Bitita
(1986), da negra Carolina Maria de Jesus. O livro é um registro da infância da
escritora na cidade de Sacramento – MG, nas décadas de 1920 a 1940. Em um ponto
da narrativa, ela, neta de escravo (cita que ela e as outras crianças adoravam
ouvir as histórias da senzala de seu avô) e filha do “ventre livre” (palavras
da autora para designar sua mãe) relata a diferença brutal que existia entre os
pretos e os marrons-mulatos. Conta que houve até uma lei que dizia que o mulato
que tivesse cabelo liso seria considerado branco e que a negra que gerasse um
mulato fazia de tudo para que o filho ou filha se casasse com branco, nada de
negro.
Percebo
que essas observações carolinianas permanecem bem vivas no seio da sociedade
brasileira, trata-se do embranquecimento da população: clareou, então,
melhorou.
Mas
e o Amarildo? Bem, os programas esportivos estão comparando esse momento da
seleção brasileira, de jogar sem seu maior craque, com o que ocorreu em 1962,
em que o Brasil perdeu seu craque Pelé, e um jogador chamado Amarildo entrou em
campo, fez gols e o país ganhou seu bicampeonato, mesmo sem a presença do Rei
do futebol.
Há,
no entanto, outro Amarildo: um negro, analfabeto, morador da comunidade da
Rocinha, no Rio de Janeiro, que em julho de 2013 foi torturado, assassinado e
ainda teve o corpo ocultado pela polícia que lá estava para coibir a
violência dos traficantes e, portanto, assassinos.
Este
Amarildo nasceu em 1966, quatro anos após o Amarildo da seleção brasileira,
junto ao time, ganhar o bicampeonato mundial. O da Rocinha foi um invisível, e
como disse Carolina Maria de Jesus: é preto, é culpado.
Será
que sua mãe ao lhe registrar pensou que, talvez, seu filho tivesse o mesmo
destino do craque?
Carolina
narra em Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960) os dramas
de uma família de sete, oito, dez pessoas morarem em único cômodo e na favela.
Amarildo nasceu seis anos após o lançamento desta obra, viveu na mesma situação
narrada pela escritora e foi apagado, literalmente, da favela.
Finalizo,
retomando a pergunta título deste texto: E o Amarildo, mas o da Rocinha,
surgirá outro? Sim, lamentavelmente, sim...
Gosto
de finalizar minhas colunas com os dizeres: “E como sempre: viva a boa
literatura!”. Não consigo fazê-lo para este assunto.

DICA DE LEITURA:
Quarto de despejo."Eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.” A metáfora é forte e só poderia ser construída dessa forma, em primeira pessoa, por alguém que viveu essa condição. Relatos como este foram descobertos na final da década de 1950 nos diários da escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977). Moradora da favela do Canindé, zona norte de São Paulo, ela trabalhava como catadora e registrava o cotidiano da comunidade em cadernos que encontrava no lixo. O centenário de nascimento de uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil é comemorado hoje (14). Clique nesta sinopse e leia mais.
0 comentários:
Postar um comentário