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A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico. |
Por Therezinha Hernandes.
Quando se trata de colocação dos pronomes pessoais oblíquos
átonos, o uso que fazemos deles na linguagem falada é bem diferente do que se
faz na escrita.
O mote para essa questão veio de um encontro recente com
escritores de Cabo Verde (para saber mais sobre Cabo Verde, clique aqui). Eu nada sabia desse país
até ler “O Tambor Africano”, coletânea de contos populares dos cinco países de
fala portuguesa na África, recontados por Susana Ventura*.
Como era de se esperar, a pronúncia de certas palavras é um
pouco diferente da nossa; a ordem das palavras dentro das frases também muda um
tanto; também há matizes de vocabulário, palavras que não usamos aqui mas são
frequentes por lá – nós temos o colorido brasileiro, os cabo-verdianos (ou caboverdianos)
têm o deles. Além do português, em Cabo Verde fala-se crioulo – delicioso de se
ouvir.
As diferenças vocabulares e de construção frasal não chegam
a atrapalhar o entendimento. Prefiro pensar que não há um oceano nos separando,
e sim que compartilhamos o mesmo oceano. A língua nos une.
Algo que sempre me chamou a atenção foi a colocação dos
pronomes átonos dentro das frases. Outros países lusófonos (que falam
português) seguem bem de perto o uso que se faz em Portugal, mas nós,
brasileiros, não seguimos à risca essa tradição a não ser na escrita ou em
situações muito formais.
No caso dos pronomes, nós brasileiros tendemos a colocá-los
antes do verbo (próclise), enquanto os portugueses habitualmente os colocam
depois (ênclise). Muito raramente usamos a mesóclise, ou seja, o pronome no
meio do verbo. Oswald de Andrade já falava desse assunto no poema
“Pronominais”:
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Visto que, na nossa fala quotidiana, colocamos os pronomes
antes do verbo, enquanto a escrita nos obriga a conhecer a tradição portuguesa,
assimilar regras de colocação pronominal acaba se tornando um suplício.
No entanto, é possível facilitar a memorização, usando o
mesmo princípio de exclusão aplicado à acentuação gráfica:
1) Usa-se a ênclise (pronome após o verbo) quando não for
caso de próclise obrigatória, exceto quando o verbo está no particípio: “Encontramo-nos semanalmente para uma conversa
amistosa.”
Porém, em “As crianças tinham queixado-se do frio” não se considera correto o emprego da ênclise após o
verbo no particípio (“queixado”), preferindo-se “As crianças tinham-se (ou tinham se) queixado do frio”.
Nas orações reduzidas de infinitivo e de gerúndio usa-se
somente a ênclise: “É necessário mostrar-lhes
um caminho”.
2) Com verbos no futuro do presente ou no futuro do
pretérito, exceto quando o sujeito vem expresso na oração, é obrigatória a
mesóclise: “Dar-te-ei o céu...”
(“darei” – futuro do presente do indicativo); “Dir-se-ia que nos sentamos à mesa...” (“diria” – futuro do pretérito do
indicativo).
Mas: “EU te darei
o céu, meu bem, e o meu amor também...” (EU – pronome pessoal reto; sujeito
explícito, próclise obrigatória).
3) Desde que não inicie período, o pronome oblíquo átono proclítico
estará sempre correto. No entanto, após uma vírgula
(pausa), há preferência pela ênclise.
Alguns dos casos de próclise obrigatória podem ser resumidos
na palavra “RINSAGEM” (processo mnemônico):
R = pronomes relativos (“O rapaz QUE me assaltou não parecia suspeito”).
I = pronomes indefinidos, pronomes
interrogativos (“Na natureza NADA se
cria; TUDO se transforma”. “QUEM me vê assim, cantando, não sabe nada de
mim”. “De todos estes livros, QUAL te
agrada mais?”).
N = palavras ou expressões negativas (“NADA o assusta”. “NUNCA lhe deram escolha”. “NÃO me
diga o que fazer”).
S = pronomes substantivos e conjunções
subordinativas (“Ele sabe QUE o
convidaram, mas não irá à festa”).
A = advérbios (“QUANDO se deu conta da situação, já era tarde demais”. “AQUI se faz, AQUI se paga”)
GEM = verbo no gerúndio, precedido da preposição
“em” (“Nesta terra, EM se PLANTANDO,
tudo dá”).
Outro caso de próclise obrigatória ocorre quando a forma
verbal é proparoxítona: “Ele não trabalhava; por isso, nós o censurávamos”.
Por fim, usa-se o pronome antes do verbo quando se tratar de
orações exclamativas, optativas ou interrogativas: “Deus lhe pague!”, “Quando te
arrependerás de teus pecados?”, “Deus me
livre de gente falsa!”.
Como já enfatizamos, o português falado no Brasil prefere a
próclise. No entanto, é necessário conhecer a norma culta de colocação
pronominal, especialmente se estivermos diante de alguma prova ou concurso...
"Deus lhe pague" Explicou tudinho como para que ninguem bote defeito! Gostei!
ResponderExcluirObrigada, Maggie!!
ExcluirFico feliz por você acompanhar a coluna.
Beijão e uma semana de êxitos para você.
TT