Um
dia, lá pelas tantas de sua vida longa de ir e vir, a manhã decidiu
sair de casa despida, leve, solta. Liberta. Completamente nua. Impulsiva
e louca, dispensou as nuvens que a acompanham desde tanto e foi tomar
sol sem nada. Nada além de sua infinita, fresca, pura e bela pele azul.
Deitada
sobre a terra vestida de dor e intolerância, medo e preconceito, ódio e
prepotência e burrice e falsidade, a manhã abriu os braços e suspirou
generosa seu hálito vivo que tudo renova e aquece.
Soprando os vestidos das moças, bagunçando as calcinhas do varal, acarinhando o recado divino nos rostos das crianças, porque toda criança tem o rosto de Deus, a manhã se espreguiçava e alongava sem mais sobre nós como gata mansa, espaçosa, atrevida.
Soprando os vestidos das moças, bagunçando as calcinhas do varal, acarinhando o recado divino nos rostos das crianças, porque toda criança tem o rosto de Deus, a manhã se espreguiçava e alongava sem mais sobre nós como gata mansa, espaçosa, atrevida.
E
toda gente que ali existia, saltada de suas camas para mais um dia, os
meninos rumo à escola em seus bigodes de café com leite, os homens e as
mulheres apressados para o serviço, os velhos passeando de braços com
suas saudades, os trabalhadores noturnos seguindo para o descanso no fim
da lida, os boêmios entornando os últimos goles em seu movimento de
fuga honesta, todos eles paravam de olhos apertados em franco rubor. A
manhã, em generosa liberdade, despertara coisas no lá dentro de toda
gente.
Ela
ficou assim cochilando, ensolarada e nua, sem vergonha e sem medo,
respirando calma sobre um mundo perplexo. Em seu longo e eterno instante
de beleza pura e simples. Então veio um anjo e em absoluto silêncio
cobriu-lhe as partes de nuvens suaves, vestes macias aqui e ali, como um
carinho divino, um cuidado manso de amor sem mais.
O
sol lambeu-lhe a extensão de suas costas azuladas com calor e capricho,
até o fim. A manhã foi se tornando tarde, depois tardinha, noite. Mas
aí já era tarde. Ao despertar desnuda, a manhã ensolarou a vida. E toda
gente se viu condenada a viver em estado de permanente amanhecer.
André J. Gomes
0 comentários:
Postar um comentário