quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Carta de amor ao amor


Por André J. Gomes.

Ah, meu caro, tem uma coisa me beliscando aqui e eu preciso dividir com você. Vou direto ao ponto, como você mesmo é de fazer nos tantos sustos que vira e mexe me dá por aí.

Olha, você é sempre tão generoso comigo que eu não posso agora ficar de mesquinharia. Vou dizer tudo de uma vez! E depois você vê aí o que se aproveita e o resto deixe sair pela outra porta. Por favor, me desculpe o jeito, mas você não acha que o seu irmão gêmeo anda abusando além da conta, não?

Eu sei, não sou ninguém para xeretar nos seus assuntos de família, mas o ódio, esse sentimento tão parecido e ao mesmo tempo tão diferente de você, está merecendo uma coça, um esfrega, um corridão. E aí não tem ninguém melhor que você, o irmão bem sucedido que ele odeia tanto, pra dar conta da tarefa.

A gente tenta, sabe? Tenta espantá-lo de perto. Faz de tudo, assovia, respira fundo, conta até dez. Mas ele é chato, insiste, cutuca. E aí, já viu! É briga, xingamento, esculhambação. A gente grita, avança, fere, fica doente de raiva. É triste.

Mas sabe por que isso acontece? Claro! É briga de família! Tá na cara que o ódio morre de inveja de você. Imagina! O irmão mais bonito, generoso, desejado. Todo mundo quer você! É amor daqui, amor dali, amor pra lá e pra cá. Aí o ódio, seu parente feioso e ciumento, fica queimado de cólera, babando veneno. E parte logo pra cima. De armas em riste e sangue nos olhos, ele ataca o amor com a maior covardia e uma frieza abjeta, no sossego de sua casa que é o coração da gente.

Você precisa fazer alguma coisa. Não me leve a mal, não. Mas é urgente uma medida extrema. O ódio é astucioso, vive à espreita. Disfarçado de você feito em festa à fantasia, avança no coração de cada um e vai fazendo das suas. Confunde amar com possuir, devoção com escravidão, cuidar com vigiar. Ele é esperto, o velhaco. Não demora muito, um mundaréu de gente torna a vida uma guerra “em nome do amor”. É tudo ódio enrustido. Pode reparar! A vida anda assim de gente amando com crachá! É! Sabe aquele povo anunciando aos quatro cantos que ama o marido, ama a mulher, ama os filhos, ama o país e depois ajuda a enfiar porrada no torcedor do time adversário, soca filho de vizinho no elevador, chuta cachorro? Gente achando que o fato de “amar” em casa lhe dá o direito de odiar na rua e vice-versa. É tanto coração cheio de ódio disfarçado por aí, rapaz!

Tá certo. Você está até as tampas de trabalho. É tanta gente o requisitando e você sempre ali, pronto a aparecer. Mas a gente tem de dar um jeito nisso e você precisa de ajuda. Sozinho, não vai dar conta de enfrentar o ódio que, confesso, também habita em mim como um visitante infiel, instável, que chega quebrando a louça, chutando as cadeiras, pousando os pés na parede sem modos de gente.

Passou da hora de tomar de volta o seu lugar no coração do povo. E nessa guerra não dá para ser bonzinho, meu caro. É preciso ser radicalmente bom! Jogar ternura na cara. Inundar a rua de gentilezas, disparar beleza por todo lado, detonar bombas de apreço em cada quarteirão, invadir as casas, escolas e empresas com tropas de entendimento e tolerância. Acorda, amor! É tempo de ir à luta. Peça ajuda! Vamos juntos. Pode contar comigo!

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