quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Viagem às terras de Tardelinda

Por André J. Gomes.

Em algum canto deste mundo ou do outro, perdido entre meia dúzia de continentes, repousa um país pequeno chamado Tardelinda. Destino de fronteiras livres e portas escancaradas a quem vier de onde seja, seu nome não está nos catálogos das agências de viagens, seus pontos turísticos não ultrapassam dois ou três, mas Tardelinda é dos lugares mais visitados por quem costuma fazer as malas e seguir.

O acesso a suas terras é fácil. Não há espera nos aeroportos nem trânsito nas estradas ou alta no preço das passagens. E a despeito de suas dimensões diminutas, seus estados pequenos e cidades cortadas por meia dúzia de ruas estreitas, esse país exótico de clima agradável recebe a todos com absoluto conforto e grandiosa alegria.

Em Tardelinda, os hotéis e as pousadas estão sempre cheios de hóspedes e nunca faltam quartos a quem chega buscando abrigo, uma cama macia de lençóis limpos, um chuveiro de água boa e uma toalha felpuda, macia e de perfume morno à espera.

A comida de Tardelinda é farta, a bebida é fresca e o descanso é certo. Seus habitantes usam chinelos de dedo e escutam velhas canções em vitrolas alaranjadas, dormem de portas destrancadas e janelas abertas para mirar de suas camas a lua e as estrelas, enquanto o vento passa e faz das suas nas casas, esvoaçando as cortinas, bagunçando as toalhas, eriçando os pelos dos cachorros que dormem sob a mesa da cozinha.

Lá, o sol se põe várias vezes ao dia. Basta que alguma alma precisada deseje vê-lo se pôr. “De manhã”, “de tarde” e “à noite” não pertencem à cronologia tradicional. São estados de espírito em cada um. Fulano anda amanhecido, Sicrano entardeceu, Beltrano está noturno. E as estações do ano começam e acabam e recomeçam em questão de horas. Em Tardelinda é assim.

Como qualquer outro país, Tardelinda tem um idioma oficial. Sua língua são as lembranças de sua gente. Os moradores do lugar se comunicam por meio de suas recordações de infância, ressonâncias de vidas passadas, pensamentos de ontem à tarde. Trocam memórias e recordam histórias em conversa fácil e franca, sem hora de parar.

Quem viaja a Tardelinda uma primeira vez costuma voltar. Há os que o fazem de hora em hora e os que não aguentam esperar tanto. Não por esbanjamento, falta do que fazer ou pela absoluta facilidade de embarcar até lá, mas pela urgência inadiável de fechar os olhos e acordar em terra amiga, cercado de afetos, com o sol da tardinha lhe queimando manso a pele, aquecendo-lhe o coração, evaporando suas poças de tristezas paradas.

Esse país pequeno espera por nós em algum canto do mundo, entre a saudade do que já fomos, a ternura que resta pelo que somos e a promessa do que ainda viremos a ser. Respire, solte o cinto, desfaça as malas. Você chegou a Tardelinda. Bem-vindo. Bem-vinda.

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