segunda-feira, 22 de setembro de 2014

BRINCANDO COM A LÍNGUA - Um “viva!” ao Português!!

Por Therezinha Hernandes.
  
Nossa língua é muito divertida. Quem ousa dizer que não? Temos várias expressões engraçadas, principalmente porque muitas delas vêm de situações insólitas.

Continuando a explicar as origens de várias expressões populares, vamos ver também um pouquinho dos costumes antigos, hoje relegados ao esquecimento.

Quando aparecia uma visita inesperada, principalmente se o dono da casa fosse interrompido nos seus afazeres, era usual dizer “Mas será o Benedito?”, mais como interjeição de aborrecimento do que propriamente uma pergunta. Segundo o Guia dos Curiosos – Língua Portuguesa, do jornalista Marcelo Duarte, a origem dessa expressão vem da nomeação de interventores por Getúlio Vargas. Em 1933, o então presidente hesitava na escolha do interventor para Minas Gerais, e a população temia que fosse nomeado Benedito Valadares, o pior dos candidatos. Por isso, diante da demora de Getúlio, o povo se perguntava: “Será o Benedito?”. E foi.

Muitas vezes, no nosso dia-a-dia, fazemos tempestade em copo d’água mesmo quando não se trata de sangria desatada. Puro estresse. Porém, “fazer tempestade em copo d’água” não é privilégio do mundo moderno, já que os antigos romanos tinham um dito parecido: “excitare fluctus in simpulo”, que em tradução livre seria algo como “provocar tempestade numa conchinha”. Com o tempo e segundo os costumes locais, o ditado foi mudando de recipiente; no inglês, passou da concha latina para tigela (registrada em 1678), bacia (1830), e finalmente xícara de chá (em 1872). O recipiente mudou, mas o significado continua o mesmo: fazer um escândalo por um motivo banal ou insignificante.

“Sangria desatada” vem da crença de que era possível curar várias doenças “afinando o sangue” do paciente por meio de sangrias. Dor de cabeça? Dê um talho no paciente e faça-o sangrar um pouquinho. Ataque de ira? Sangria para acalmar os nervos. Porém, se o médico fosse “barbeiro” (ou seja, sem habilidade), poderia causar uma hemorragia no paciente e, com isso, causar-lhe a morte. Então, uma “sangria desatada” (sem controle) representava uma situação de emergência. Ao contrário, se existe um problema, mas não há necessidade de resolvê-lo com urgência, não é uma sangria desatada.

Falamos ali em cima de alguém que é “barbeiro”, como sinônimo de pessoa sem habilidade, sem perícia. O uso dessa palavra para designar alguém que não exerça efetivamente essa profissão vem do tempo em que os barbeiros, além de cuidar da barba e do cabelo de seus clientes, também acumulavam as funções de dentistas (claro que só para arrancar dentes doentes) e médicos (para as famigeradas sangrias). De início, a comparação era usada por médicos diplomados para ironizar seus colegas mais velhos, ou profissionais de outras áreas que exerciam algumas práticas da medicina sem habilitação. Com o tempo –especialmente quando surgiram os primeiros automóveis-, a expressão passou a designar qualquer pessoa inábil, especialmente os motoristas que não controlam bem o volante.

Se alguém for chamado de “barbeiro” e não gostar, pode “ir se queixar ao bispo” – frase que hoje tem a conotação de algo insolúvel, ou uma situação à qual ninguém dá importância e que por isso ficará sem resposta. Mas nem sempre foi assim. “Queixar-se ao bispo” vem de tempos muito antigos, em que as mulheres precisavam comprovar aos homens que eram férteis, que eram capazes de gerar filhos, o que era importante não só para perpetuar a espécie, mas também para garantir que, tendo muitos filhos, ao menos um herdeiro sobrevivesse, numa época em que a mortalidade infantil era altíssima. Essa é a razão para a existência do noivado: ajustado o casamento entre as famílias, o período do noivado destinava-se a que a noiva engravidasse para provar que era fértil. Só depois disso ocorria a cerimônia de casamento. Se durante o tempo combinado para o noivado a mulher não engravidasse, o contrato era desfeito.

Há um quadro muito famoso, do pintor flamengo Jan Van Eyck (século XV), que representa o casamento de Giovanni Arnolfini e Giovanna Cenami – e ela repousa a mão esquerda sobre o ventre, mostrando que está grávida. Há muitas especulações sobre essa cena, entre as quais se diz que o ventre inchado não indica gravidez, sendo antes moda, para exibir por exemplo o gasto com tecido, indicando a prosperidade do retratado. 

Mas o motivo de existir o período do noivado é mesmo esse: comprovar a fertilidade da mulher – como se apenas dela dependesse o sucesso do evento.

Por isso, até por volta do início da década de 70 do século passado, o rompimento de um noivado poderia ser visto como algo negativo para a mulher, ainda que o costume antigo já não existisse.

No Brasil do século XVIII ainda existia esse costume, que era aprovado pela Igreja desde que o casamento se consumasse. Ocorre que muitos noivos desapareciam deixando a noiva grávida. Esta se queixava ao bispo, que mandava alguém atrás do fujão – muitas vezes sem resultado.

Mas nem só de costumes bizarros vivem os povos. Por isso, damos “vivas!!” à modernidade. Dar um “viva!” simboliza isso mesmo: desejar vida longa ao homenageado.
Há registros do uso dessa expressão no Brasil ainda nos tempos coloniais, época em que havia até um protocolo de “vivas” para a saudação de autoridades. Só um “viva!” deveria indicar uma autoridade de baixo escalão; o grau mais alto na hierarquia provavelmente era saudado com uma quantidade bem maior de “vivas!”. Nem quero imaginar uma visita do Papa... Meia hora seguida de “vivas!”, no mínimo!

Mais diversão, só na próxima semana.
Abraços e até lá.

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