terça-feira, 8 de julho de 2014

SALA DE LEITURA - E o Amarildo? Surgirá outro?

Montagem de João Pinheiro.
Por Sirlene Barbosa.
  
Na semana que o Brasil vence a Colômbia e assume um lugar entre os países semifinalistas da Copa do Mundo 2014, nosso maior craque, o grande menino Neymar, recebeu uma entrada muito malfeita e bem violenta ao ponto de tirá-lo da Copa do Mundo no Brasil. O jogador é jovem, talentoso, está em sua melhor fase, foi comprado pelo time espanhol Barcelona, namora uma atriz mirim global, enfim, é o grande Neymar Jr.

O jogador que o atingiu é um ser humano da raça negra e por conta desse fato está sofrendo um racismo virtual, pra não dizer pessoal, de forma absurda. São xingamentos como: “Macaco maldito, merece morrer”, entre outros “belos” chamamentos não dignos de serem citados neste espaço.

Primeiro ponto de interpretação sobre o roteiro “Neymar não vai jogar”: o colombiano que o feriu em campo merece punição e ponto, mas uma punição relacionada ao banco dos réus dos jogadores de futebol. Essas declarações racistas só mostram quão inteligente é uma parte da torcida brasileira – isso porque há racistas que dizem que o racismo não existe e justificam afirmando terem amigos negros e até já ter tido um caso com uma negra ou negro...

Segundo ponto: o colombiano é negro e o Neymar é o quê? Para justificar essa questão recorro à obra Diário de Bitita (1986), da negra Carolina Maria de Jesus. O livro é um registro da infância da escritora na cidade de Sacramento – MG, nas décadas de 1920 a 1940. Em um ponto da narrativa, ela, neta de escravo (cita que ela e as outras crianças adoravam ouvir as histórias da senzala de seu avô) e filha do “ventre livre” (palavras da autora para designar sua mãe) relata a diferença brutal que existia entre os pretos e os marrons-mulatos. Conta que houve até uma lei que dizia que o mulato que tivesse cabelo liso seria considerado branco e que a negra que gerasse um mulato fazia de tudo para que o filho ou filha se casasse com branco, nada de negro.

Percebo que essas observações carolinianas permanecem bem vivas no seio da sociedade brasileira, trata-se do embranquecimento da população: clareou, então, melhorou.

Mas e o Amarildo? Bem, os programas esportivos estão comparando esse momento da seleção brasileira, de jogar sem seu maior craque, com o que ocorreu em 1962, em que o Brasil perdeu seu craque Pelé, e um jogador chamado Amarildo entrou em campo, fez gols e o país ganhou seu bicampeonato, mesmo sem a presença do Rei do futebol.

Há, no entanto, outro Amarildo: um negro, analfabeto, morador da comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, que em julho de 2013 foi torturado, assassinado e ainda teve o corpo ocultado pela polícia que lá estava para coibir a violência dos traficantes e, portanto, assassinos.

Este Amarildo nasceu em 1966, quatro anos após o Amarildo da seleção brasileira, junto ao time, ganhar o bicampeonato mundial. O da Rocinha foi um invisível, e como disse Carolina Maria de Jesus: é preto, é culpado.

Será que sua mãe ao lhe registrar pensou que, talvez, seu filho tivesse o mesmo destino do craque?
Carolina narra em Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960) os dramas de uma família de sete, oito, dez pessoas morarem em único cômodo e na favela. Amarildo nasceu seis anos após o lançamento desta obra, viveu na mesma situação narrada pela escritora e foi apagado, literalmente, da favela.
Finalizo, retomando a pergunta título deste texto: E o Amarildo, mas o da Rocinha, surgirá outro? Sim, lamentavelmente, sim...

Gosto de finalizar minhas colunas com os dizeres: “E como sempre: viva a boa literatura!”. Não consigo fazê-lo para este assunto.



VAI BRASIL!

Sirlene Barbosa é Mestra em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – PUC-SP, professora de língua portuguesa de colégio particular e da Sala de Leitura da PMSP. Escreve todas as sextas-feiras a coluna Sala de leitura para o blog da editora Nova Alexandria.



DICA DE LEITURA:

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