quarta-feira, 4 de junho de 2014

CINEME-SE - Prostituição e abuso de crianças em tela

Por Plínio de Mesquita Camargo.

Do bando de Pixote (no filme de Hector Babenco, 1980), dois garotos se casaram na Febem antes de fugir. Casando-os, o enredo (original de José Louzeiro, no livro A infância dos mortos) poupa Lilica (Jorge Julião) de outro possível destino reservado a garotos como ele: alguma forma de prostituição.

Lilica teve, antes da ‘internação’, um amante adulto (Tony Tornado). Não me lembro se Louzeiro vai a tais detalhes no livro, mas é (e ainda hoje é) possível que Lilica tenha sido ‘internad@’ por gente da própria família, exatamente por ser como era. Também é razoável suspeitar que o tal ex-namorado fosse, na verdade, um cliente habitual, se não algum tipo de explorador. Com ou sem peruca, garotos de quinze anos se vendem, no Brasil, desde muito antes dos anos 80 e até hoje, nas ruas e em domicílio.

Há especialistas em ‘hospedar’ Lilicas dos dois gêneros, não precisamos dizer a que preço. Não lhes vão os hóspedes bater na porta, levam-nos ‘amigos’ que podem ser parte de uma rede nacional ou até mundial, capaz de lhe mandar em 5 dias, de Belém, um(a) quase-índi@ de 16 anos, que – não nos tentemos iludir – não terá sido raptad@ de sua casa, mas, provavelmente, recolhid@ de alguma calçada, ou comprad@ à família.

Amanhã, não perca!
Há traficantes de garot@s porque há garot@s deixad@s a esse comércio pelas famílias, primeiras na rejeição d@ filh@ imoral, degenarad@, demoníac@. Lilica abandona, no filme, o marido mulherengo (Gilberto Moura) e o bando, e não se sabe mais dela. Terá encontrado um Lampião de quem ser a Maria até a morte?  Terá encontrado um cafetão de quem ser mercadoria, até a morte? Terá ido ser ‘estrela’ em Milão ou Hamburgo? Terá voltado da Europa, anos depois, com dinheiro bastante para ter sua própria ‘hospedaria’, ou para manter um abrigo para travestis com Aids? Talvez Louzeiro saiba (o autor é meio deus).

Prostituição de adolescentes (e sua exploração) não é novidade, como não é nova a visão que pretende combatê-la mirando no cliente e no intermediário, sem tratar dos que, por trocados ou de graça, entregam filh@s, sobrinh@as, irmã(o)s ao mercado. Não deixará de haver Lilicas à disposição dos comerciantes de gente enquanto houver pais que espancam filhos (para virar macho, como disse o deputado) até mata-los, escolas que se recusam a educar crianças e pais para a diversidade e a liberdade, autoridades que fecham os olhos para a violência familiar porque, de fato, concordam com as surras, pregadores e escribas que defendem (mais abertamente ou menos) o direito de bater, assistencialistas que, para abrigar, primeiro exigem que @ garot@ deixe de ser o que é.


Plínio de Mesquita Camargo é cineclubista, poeta e trabalha hoje na Biblioteca Paineiras, do Centro Cultural Vladimir Herzog, de Diadema. Da geração 70 e 80 de poetas undergrounds de São Paulo, publico em mimeógrafo e xerox. Pela Edita Plêiade, publicou em 2012 o volume de poemas Folhas Ta(o)ntas. Pela editora Nova Alexandria escreveu Breve história do cinema brasileiro, no prelo. Escreve a coluna Cineme-se no blog a editora Nova Alexandria a coluna, e passa a assiná-la todas as quartas-feiras.

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