quarta-feira, 23 de abril de 2014

JOVEM LEITOR - A história real é tão empolgante quanto a ficção

Ilustração de Severino Ramos, para Contos e fábulas do Brasil, de Marco Haurélio.


Por Susana Ventura

A atenção dedicada pela escola e pela sociedade brasileira ao conto popular decaiu bastante nas últimas décadas. A perda, para o leitor, é equivalente àquela de perder as chaves de um baú que está no meio de sua casa e, por isso,  não poder olhar lá dentro.

O que há dentro do baú do conto popular são histórias sem autoria definida e que são o resultado da lenta fermentação que sempre cerca as narrativas coletivas, modificadas por seus contadores ao longo do tempo.
Parte da riqueza dos contos do baú está em sua filiação ao ‘maravilhoso’: nessas histórias  tudo pode acontecer e elas são universais por tratarem de temas comuns a todos os seres humanos.

Ítalo Calvino, quando trabalhou sobre contos italianos de origem popular na década de 1950, chegou à conclusão de que o conjunto dos contos constitui um catálogo do destino que pode caber a cada um de nós, seres humanos: do nascimento -  auspicioso ou difícil; do legado recebido – um castelo, um reino ou  um simples gato; das provas pelas quais temos que passar para crescer – enfrentar um gigante, buscar a água da vida para salvar um familiar doente; do encontro ou perda do verdadeiro amor e, finalmente, dos desafios da maturidade.

Dentro de um desenho aparentemente tão básico, estão os dramas todos da vida humana em todos os tempos, vivida em qualquer lugar: ser rico ou ser pobre; ser feio ou ser belo; buscar, encontrar e perder o amor; estar sujeito a encantamentos e bruxedos (ou seja, ter sua trajetória determinada por forças desconhecidas); ter de empreender grande, às vezes desmesurado esforço; metamorfosear-se ou ser metamorfoseado e poder retomar a vida depois disso; transformar-se enfim interna e externamente para encontrar-se verdadeiramente como ser humano maduro.

A chave está perdida, mas ainda está em casa, porque o conto popular é território de todos nós. Alguém se habilita a procurar pela chave e abrir o baú?

0 comentários:

Postar um comentário