Eis-me de volta após prolongado resfriado e muita emoção
causada pela Copa do Mundo. Eu não entendo nada de futebol, mas meu coração
entende tudo e gosta. Tenho visto muitos jogos, sofrido demais em alguns. Minha
torcida é pelo Brasil, é claro, e depois anda em função da minha geografia
pessoal: Portugal em segundo lugar e depois lá vou eu com minha cartografia
emocional – times de países latino-americanos e, dentre eles, privilegio todos
os da América do Sul (incluída a Argentina).
Contradizendo o que acabei de afirmar, torci alucinadamente
para a Argélia, prevendo o embate que gostaria de ver: Argélia e França, com
Argélia dando um banho na França. Quase deu, mas não deu. Baixei a cabeça e
voltei para meu eixo: Brasil, na cabeça e no coração.
Boas alegrias, muita apreensão, o lado épico que aflora nos
hinos berrados a plenos pulmões, em que se promete lutar pela pátria até a
vitória ou a morte.
A infinita possibilidade em 90 ou 120 minutos: o fraco pode
vencer o forte; o favorito pode perder; David e Golias redivivos espreitam por
cima do meu ombro vestido num casaco amarelo...
Em época de mundial, minha vida não tem sido só futebol.
Comecei um novo trabalho e estive visitando alguns CEUs (CEU - Centro de Educação Unificada).
Ônibus e lotações (as ‘peruas’) me levaram a regiões
diferentes da cidade, para bem longe da linha do metrô.
Uma das ‘peruas’ rumou Paraisópolis adentro. Desci no meio
da comunidade, caminhei um pouco pelas ruas cheias de bandeiras do Brasil,
algumas delas ‘customizadas’ a gosto dos donos. Numa, de pano, o escudo central
fora substituído pelo emblema do time de futebol preferido.
Noutra, pintada numa parede, o escudo estava mantido, e na faixa, no lugar de
‘Ordem e Progresso’ estavam escritos, em caligrafia infantil, os nomes Lu, Alê,
Jr. e Beto.
Uma senhora, passageira do primeiro transporte, ao saber que
eu iria ao CEU pela primeira vez para trabalhar, se preocupou comigo.
Ela ia descer antes de mim, mas ‘me recomendou’ a uma outra
passageira, porque seria preciso andar um pouco para tomar o segundo transporte e eu poderia me perder.
Gol do Brasil da vida real! Agradeço.
Gentileza atrás de gentileza, caminhei pelas ruas da comunidade
ao lado da minha segunda guia, que atravessara a cidade para levar o irmão
doente, para tratamento médico. Passava da uma da tarde e ela disse: ‘não
almocei nem vou almoçar, tenho que deixar ele em casa e tomar dois ônibus para
meu emprego que é em Osasco. Tudo é tão longe e difícil’.
Gooool, da adversidade...
Despedi-me deles, agradecendo, desejando as melhoras.
Tomei outra lotação, na frente do cabeleireiro que anunciava
fazer cortes ‘da Copa’. Crianças andavam de mãos dadas com os pais, um homem
passou usando uma camisa de Portugal. Número 7, Cristiano Ronaldo. Embarco. Um menino passou correndo numa rua
lateral. Camisa 7 também, roxa, não consegui ler o nome do jogador, e assim,
não saberei que país vestia os sonhos de craque daquele menino que possivelmente
não tornarei a ver.
Chego às imediações do CEU, desço no ponto indicado, pergunto
a um senhor onde fica o CEU.
(Paro e sorrio acanhada ao me flagrar adulta perguntando a
outro adulto onde fica o céu...)
Ladeira abaixo está o
belo complexo, lado a lado com o terreno baldio em que um sofá de tecido
vermelho abandonado compõe o cenário com o chão de terra vermelha de onde
parecem pular duas traves brancas. No meio do ‘campinho’, meninos correm atrás
de uma bola verde amarela.
Chego ao CEU, entro na biblioteca decorada com bandeiras de
papel de todos os países participantes da Copa, arte assinada pelas crianças. Sobre a mesa da biblioteca os
jornais com notícias do futebol.
Gol, do Brasil, goool, da alegria!
Os jornais, estes, naquele e nos outros dois CEUs que
visitei na semana, são comprados pelos funcionários, com dinheiro próprio, para
não privar os leitores, especialmente crianças, de terem notícias do mundial.
Meu coração fica apertado. Conversamos sobre a formação de um Clube de Leitura.
Sugiro livros, mas há três anos não chega um só livro novo ali, salvo aqueles
comprados com o dinheiro dos próprios funcionários...
Gooooool, da adversidade!
Damos um jeito, driblamos isso, buscamos alternativas e,
numa finalização difícil sai o gol.
Gooooool, nosso!
Para acompanhar a Copa tenho uma tabela, oferta de um
supermercado.
Vamos lá em casa preenchendo aos poucos, ora um ora outro
membro da família, caligrafias diferentes, com a caneta que estiver por perto.
Grudamos na tela da TV e assistimos a todos os jogos que
podemos. Estamos felizes, estamos vivendo a grande emoção da Copa do Mundo,
desta vez no Brasil.
Para acompanhar a vida que encontro não tenho tabela própria
e nem mantenho contabilidade, que é para não colocar mais em risco meu já abalado
coração.
Mas acho, mesmo, que
estamos ganhando, porque as pessoas comuns estão fazendo o possível e o que não
é possível também para tornarem a Copa inesquecível para elas e para os outros.
A bondade e a dedicação, a doçura e a boa vontade de tanta gente me levam
adiante, me ajudam, me permitem fazer o pouco que me cabe de uma maneira
melhor.
Não sou artilheira, não vestiria a camisa 7, mas sigo com
uma sacola de livros andando por aí, falando e, às vezes, também ajudo a fazer
gol para o ‘nosso lado’.

A prof.a Susana Ventura é também uma excelente escritora. Conheça essa sua faceta por meio deste excelente livro, que ela lançou recentemente pela editora Nova Alexandria, lendo a sinopse abaixo e clicando sobre ela:
Maravilha, Susana, gol seu! Beijos.
ResponderExcluirObrigada, João! A artilheira não é boa, mas tenta muito acertar. Um abraço e até o próximo encontro!
ExcluirGol beleza, Susaninha.
ResponderExcluirTom, obrigadíssima pelo acompanhamento e pela torcida!!! Beijos
ExcluirBem, o Brasil perdeu de goleada. Mas o mais importante que buscar culpados seria entender os motivos. A seleção brasileira tinha ótimos jogadores, motivados, inteligentes, o que houve?
ResponderExcluirAparentemente faltou uma lição importante que o futebol deveria ter ensinado: Por melhor que seja o indivíduo, quando luta sozinho contra diversos adversários, acaba sendo derrotado. Quando o time joga em conjunto, todos acabam tendo a oportunidade de brilhar individualmente também, mas quando cada um quer fazer o "seu" jogo, a coisa desmonta. O povo brasileiro é solidário, gosta de fazer as coisas junto; gosta de brilhar no individual, mas vibra no conjunto. Que ao menos esta copa nos traga lições de que humildade não é baixar a cabeça, mas saber o que temos de bom e que podemos sempre melhorar com a ajuda dos que nos cercam. Então, vamos ser bons anfitriões, vamos sorrir depois das lágrimas, vamos torcer junto pelo futebol, pela saúde, pelo transporte, por pessoas que nos representem na alegria e na tristeza, que vistam a camisa e arregacem as mangas, porque ainda há muito que podemos melhorar e o futuro começa agora.
Parabéns Susana pela sensibilidade, pela alegria de sempre e principalmente por nos representar tão bem onde quer que vá. Forte Abraço,
Danny
Danny,
ResponderExcluirDesculpe o atraso na resposta. A autora anda mal de internet e de tempo. Pois é, ainda estou pensando na Copa. Emoções ainda não aquietadas. Realmente não se ganha jogo sozinho, mas é difícil trabalhar em equipe e é preciso muito trabalho de verdade. No jogo e na vida acho que anda nos faltando maturidade, tanto social quanto individualmente. Mas bem, estamos aqui para lutar, não é? Vamos em frente! Obrigada por acompanhar a coluna, é sempre bom tê-lo por perto.