Em desagravo à falta de educação dos torcedores VIPs ontem, no Itaquerão, escritora oferece e comenta ao leitor uma bela crônica de Plínio Marcos: As chuteiras do Jabaquara.
Por Susana Ventura.
A coluna de ontem atrasou. Motivo: o
resfriado que se abateu sobre a colunista em meio das muitas viagens feitas por
terra para cumprir agenda em época pré-Copa. Resfriado chato, com dor de
cabeça, em meio a muitas viagens de ônibus, carro, táxi, metrô e caminhadas a
pé com mochila nas costas, ecobag com livros no ombro. E, como objetivo, chegar
no final da maratona a tempo de ver a abertura da Copa do Mundo e o jogo inaugural
com a família. Consegui, enfim. Ainda meio dormindo e não muito inteira, mas
consegui. Guarda-roupa especial, verde, amarelo, azul. Sou assumidamente
ritualística e faço questão de estar presente para a oficialização dos ritos
que escolhi para viver.
Estava preparada para tudo ontem, menos
para a mostra de desumanidade, falta de educação, grosseria imperdoável e
incivilidade a que assisti: a ‘ala vip’ da ‘vipíssima’ Arena xingando e
constrangendo Dilma Rousseff de maneira vil. Não digo a ‘Presidente ou Presidenta’ Dilma Rousseff. Digo mesmo Dilma
Rousseff, cidadã, que estava lá cumprindo agenda, trabalhando mesmo. Fiquei triste
demais com isso. Minha gente, o que foi que eu vi e ouvi?
Como sempre fui buscar consolo na
literatura e recorri a nossos cronistas em busca de conforto. Andei para lá e
para cá e, por fim, encontrei consolo e conforto no rés-do-chão onde vive a
gente real, os brasileiros de verdade. Estive novamente diante do genial Plínio
Marcos (1935-1999) e com ele ‘boto meu Jabaquara em campo’ hoje, numa expressão
tão santista e tão bacana, que às vezes eu me esqueço que ela não é do Brasil
todo.
A origem é o Jabaquara Atlético Clube de Santos, clube nomeado a partir de um quilombo que existiu
num dos morros da
cidade. Para os santistas de várias gerações posicionar-se com veemência sobre
uma questão é ‘botar o Jabaquara em campo’. Plínio Marcos foi cronista de
vários episódios do Jabaquara, no final de sua vida, assinando a coluna ‘Janela
Santista’ a cada final de semana, num periódico local, gratuito, chamado Jornal
da Orla. Foi ali, em 17 de janeiro de 1999, que li, deliciada, a crônica ‘As
chuteiras do Jabaquara’. Li, recortei e guardei. Nela, Plínio Marcos nos fala
de seus olhos úmidos ao se lembrar do
rosto da molecada do bairro de sua infância. Jogador do time infantil Vila
Bancária ele nos mostra ali a vida pulsante dos meninos para quem o futebol era
o ponto alto da vida: sem uniforme, sem chuteiras, sem quase nada, mas com a
vida pulsando, o olhar brilhante, o molejo e a gana de jogar futebol.
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Para jornalista, pênalti existiu, sim. Confira matéria aqui. |
Não tirarei dos leitores o prazer da
descoberta das personagens Frajola (o próprio Plínio), Luciano Juqueri (o nome
dispensaria apresentações, mas adianto que foi o mentor intelectual de um plano
que resultou maravilhoso), Nei Feijão, Bugre, Alicate, Feijoada – a crônica,
ainda bem, pode ser lida aqui - mas preciso contar a vocês que a minha alegria foi restaurada de imediato.
Ali estava a vida e não o simulacro,
daquela crônica aqueles que amam o futebol e sabem ser gente de verdade
disseram para mim: ‘estamos aqui, o Brasil e os brasileiros estão aqui’.
Reli agora, antes de terminar a coluna,
a crônica do Plínio e chorei de novo. Não tem problema, a emoção é benvinda e,
devido ao resfriado, a caixa de lenços está mesmo aqui ao lado. Botando o
Jabaquara em campo, digo que o Brasil é maior e melhor do que aquilo que meia
dúzia de pessoas feitas de plástico, sem conteúdo ou educação mostraram ontem.

Gente boa do meu Brasil, venha amanhã ao nosso SARAU DA COPA!
11 Histórias de Futebol. Neste livro, a maior paixão esportivados brasileiros é vista pelo olhar de 11 grandes escritores contemporâneos denossa literatura, numa rara combinação entre campo de futebol e campoliterário. Mesmo quem não é tão fã do esporte das multidões encontrará aquimotivo para vibrar com as decepções e glórias dos personagens tangidos pelojogo da vida. Traduzido para o alemão para esta copa de 2014, o livro, com onome Samba Goal, já ganhou a Europa e o coração do leitor germano.
Falou tudo, Susana.
ResponderExcluirTudo que aquelas pessoas fizeram foi mostrar a própria falta de educação e civilidade, diante dos nossos hóspedes estrangeiros.
Muito feio...
Apoio tudo que você disse.
Grande abraço - e melhoras!
TT
Oi querida,
ExcluirO que fazer diante do horror, não é? A literatura nos dá consolo e conforto nestes momentos. Obrigada pelos bons desejos e por acompanhar a coluna!
Beijos
Susana
É a imagem que se leva de um país que quer ser civilizado. Falta total de respeito. Fecho contigo e não abro.
ResponderExcluirQuerido Tom,
ExcluirFalta de respeito não justificada MESMO. Mas vamos em frente, porque educar gente que teve todas as chances de se educar bem não é nosso trabalho, não é?
Beijo,
Susana