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Ilustração politicamente incorreta para um texto corretíssimo. |
Por Susana Ventura.
Venho de terminar o
período de aulas que ministro numa pós-graduação em Alfabetização e Letramento.
Minha ‘disciplina’ chama-se Literatura Infantil e Juvenil e sempre foi uma
delícia trabalhar nela.
Desta vez fui pega de surpresa: pela primeira vez precisei
lutar para dar aulas. Enfrentei um grupo de alunos cansados e agastados com a
vida, tão ásperos que nada parecia capaz
de comovê-los.
No primeiro dia, ainda no início da aula, uma jovem levantou
o braço: ‘A senhora irá manter o ‘pacto pedagógico?’ Por 30 segundos, senti um
desconforto tomar conta de mim. Respondi, com cuidado, que não costumava romper
pactos, mas que não estava informada daquele. De que se tratava?
Simples, o ‘pacto pedagógico’ era a proposta de dar três horas e meia de aulas sem intervalo para
que eles saíssem mais cedo nas noites do curso... E, claro, se possível,
iniciar a aula meia hora mais tarde. Portanto, a cada quatro horas de aulas,
eles teriam apenas três.
Não, aquele ‘pacto’ não era para mim e nem procurei saber
quem o havia pactuado...segui a vida começando as aulas e tentando terminá-las
no horário regulamentar. Pela primeira
vez desde 1992, ano em que comecei a dar aulas (para ensino fundamental),
precisei interromper muitas e muitas vezes cada aula para pedir que me
deixassem trabalhar. Para pedir o mínimo: silêncio e respeito.
Escutei reclamações múltiplas: era muita leitura e ‘como
assim’ precisavam ler algo que não estava em pdf na internet? Muitas vezes fui
interrompida de maneira brusca e áspera, assustadora mesmo, para colocações das
mais variadas (nenhuma relacionada ao tema do curso, infelizmente).
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Vá para o livro clicando aqui. |
Agora, passados alguns meses, recebi ‘bilhetes’ nas margens da última avaliação. Alguns
deles: ‘Obrigada por me fazer ler esse livro’, ‘Eu não pensava que houvesse
livros assim’, ‘Foi um presente conhecer esses livros’, ‘Li aquele livro numa
só noite’, ‘Eu nunca tinha me emocionado lendo um livro antes’, ‘O tempo é
curto para tanta coisa boa’...
‘Reinações de Narizinho’, de Monteiro Lobato, ‘Tristão e
Isolda’, de Helena Gomes e o livro teórico, pequeno e precioso, ‘Os contos de
fadas: origens, história e permanência no mundo moderno’, de Ana Lúcia Merege,
ajudaram na construção de um pensamento próprio, mas a um custo alto demais
para mim.
Muita aspereza e, por fim, estou diante de um balanço em que
a minha conta pessoal, humana e profissional, está negativa. Não há ganhadores
após este semestre: perdemos todos, juntos, uma mesma batalha.
Penso, sinceramente, que se aproxima a hora de parar de dar
aulas. É o que me indica o bom senso e o que parece me pedir também minha vida,
em que há muito, ainda, a ser realizado. Falemos de boas coisas, só que não
hoje.
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Sinto muito por essa experiência tão decepcionante. Infelizmente muitos amigos professores relatam os mesmos problemas... numa pós como essa, me parecem ainda mais preocupantes. Mas é preciso seguir em frente. Pelo seu relato vi que motivou ao menos alguns alunos e fico feliz por meu livro ter ajudado. Tudo de bom para você!
ResponderExcluirAna Lúcia, obrigada por acompanhar a coluna - nesta semana em tom de tristeza. Seu livro é muito bom e será ainda muito lido nos próximos anos. Gosto demais dele. A situação de parte do ensino não é simples e preocupa mesmo. Esperemos dias melhores! Beijos
ExcluirSusana, essa é realmente uma sensação muito frustrante. No entanto, parece que esses alunos também vieram de uma situação decepcionante anterior. Se você conseguiu inspirar alguns poucos, já é uma grande vitória.
ResponderExcluirExiste uma diferença abissal entre o "dador" de aulas, que cumpre tabela apenas, e o professor, porque este, mais do que ensinar, inspira os alunos. Você é professora; você motiva.
Não vejo o menor sinal de fracasso nisso. Ao contrário, vejo em você uma grande defensora do ensino de qualidade, um baluarte na luta por leituras de qualidade - uma vencedora, sim!
Sucesso não se mede em cifras, e sim no respeito que conquistamos entre nossos pares. Esse respeito você tem.
Passada essa fase, passado esse gosto ruim na boca e feito o balanço, você vai ver que saiu vitoriosa.
Ainda temos muitas batalhas pela frente, e precisamos de todas as mãos e todas as vozes fortes e dispostas.
Copiando Drummond, "vamos de mãos dadas". Você não está só!
Querida TT,
ExcluirO baluarte ruiu! Tenho feito o que é possível, mas desta vez joguei a toalha e pendurei as chuteiras (ah, será que eu vou parar dentro da sua crônica?). Há outros campos para caminhar e, talvez, jogar uma bolinha em terreno mais propício, com grama recém-cortada (como ouvi hoje no noticiário da manhã: 'a seleção treinará no campo e a grama foi cortada há pouco'). Esperemos por dias melhores, enquanto isso. Beijos, obrigada por acompanhar coluna e colunista!
Uma vez uma garota me escreveu confessando odiar uma professora porque estava sendo obrigada a a ler um livro. Eu disse a ela que o sacrifício valia a pena. Cada dia ela lia cinco páginas. No quinto dia ela me escreveu agradecendo, disse que tinha terminado de ler o tal livro, que adorou, e pedia sugestão para ler outro. E virou uma assídua leitora da biblioteca da minha terra.
ResponderExcluirAo contrário dos comentários acima, não vejo isso como uma experiência decepcionante ou frustrante, mas sim, como uma vitória da persistência.
Beijos, Susaninha.
Tom, querido amigo,
ExcluirPois é, de repente daqui a algum tempo eu vou conseguir ver as coisas de jeito melhor. Mas agora estou arrasada. Numa adolescente a gente compreende isso, em adultos é mais difícil. Mas a história da sua leitora me ilumina um pouco. Por enquanto vamos escutar belas canções e tratar de escrever e viajar para falar de literatura! Obrigada por acompanhar sempre a coluna! Abraço da Susana