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Era uma vez... quando os ratos do mal governavam... |
Por Claudio Henrique dos Santos.
Sempre invento estórias para a Luiza dormir. Esta não segue o padrão daquelas que estou acostumado a contar. Mas para minha surpresa, ela gostou. Espero que você também goste.
Era uma vez um
reino muito distante, chamado Ratolândia, que era governado por ratos enormes e
gordos, que não mediam esforços para manter-se no poder. Eles controlavam tudo,
incluindo os gatinhos que moravam por aquelas bandas. Alguns até tinham cara de
bonzinhos, mas eram todos muito malvados e egoístas.
Neste lugar também
havia muitos camundongos, tão mirradinhos, que não ameaçavam ninguém. Eram
ratinhos da paz, muitos deles trabalhadores e honestos. Embora trabalhassem
muito o dia inteiro, a maioria quase não tinha nem o que comer.
Os ratões viviam em
suas casas enormes e passavam férias em Paris, de onde traziam queijos da mais
alta qualidade. Já os ratinhos camundongos viviam em suas casinhas humildes,
cujas portas eram buracos pequeninos dentro das paredes das casas dos ratões.
Certa vez, uma
ratinha velha, já cansada de sofrimento, falou para seus netinhos: “que bom que
somos magrinhos e pequenos. Deus nos fez assim para que não tivéssemos problema
para entrar e sair das nossas casinhas. Os gatinhos estão por toda parte. E
morrem de medo dos ratões. Eles só nos caçam porque somos pequenos. Mas um dia
haverá de surgir um camundongo muito corajoso, que nos livrará dessa situação
de miséria”, disse a ratinha.
Os
camundongos pareciam já conformados em comer apenas as sobras de comida e as
cascas dos queijinhos comidos pelo ratões. Entretanto, um belo dia surgiu um
pequeno grupo de camundongos muito simpáticos, que começou a ganhar espaço.
Apareciam na televisão e na internet, contando que iriam mudar aquele reino.
O líder
desses camundongos, muito astuto e falador, fez com que todos acreditassem que
eles fariam melhor do que os ratões, embora não tivessem estudado nas melhores
escolas e não falassem mais do que o idioma “ratês”, ao contrário dos ratões,
que geralmente dominavam várias línguas estrangeiras. Parecia que, finalmente,
todos teriam direito a ser felizes por ali.
Esses ratinhos
foram ficando famosos. O chefe dos camundongos então achou que era hora deles
começarem a governar. Não era justo que eles vivessem na miséria, enquanto
aqueles ratões viviam no maior conforto, dentro das suas mansões enormes com
carros reluzentes na garagem. O destemido ratinho resolveu, então, marcar dia e
hora para desafiar os ratões.
O Senhor
Ratão Presidente o chamou para conversar no palácio. Serviu bolachas, chocolate
suiço e queijo Roquefort francês legítimo, uma iguaria naqueles tempos. O
ratinho ficou maravilhado, pois nunca tinha sido tratado com tanto delicadeza.
Mesmo assim, resolveu falar com a voz grossa e rouca, pouco comum a um ratinho
daquele tamanho. “Estamos cansados de sofrer e de tanta miséria. Também não
queremos mais morar na sombra, nesses buraquinhos apertados”.
O ratão que mandava
em tudo então respondeu, com muita calma. “Não vejo como resolver seu problema.
A vida sempre foi assim. E todos são felizes. Mas tenho muito interesse em
escutar suas reclamações. Antes disso meu rapaz, coma um pedaço desse queijo,
que está divino”, disse o grande rato, que era muito experiente e
esperto. Ao colocar aquele pedacinho de queijo na boca, o líder camundongo
quase se esqueceu do que ía falando, pois nunca havido comido algo tão
delicioso em sua vida. E num piscar de olhos, sua voz foi amaciando.
“Senhor Ratão”,
disse ele, num tom já mais amigável. “Eu tenho cá umas ideias para melhorar a
vida de todo mundo, mas não tenho o poder para governar”. O ratão gordo abriu
os olhos interessado. E respondeu: “Vamos dizer que eu deixe vocês, pequenos
camundongos, mandarem por aqui. O que nós ganharemos em troca?”
“Vocês serão mais
ricos do que nunca. O povo vai sair da miséria e nem vai lembrar que vocês
existem. Num minuto, eles vão parar de reclamar. E vocês vão poder comer seus
queijinhos importados sem a menor preocupação com nada”, explicou o camundongo,
ainda com a boca cheia de queijo Roquefort.
“Se é assim,
não vejo problema”, disse o ratão, contente com a resposta que havia recebido.
Mas o ratinho ainda tinha mais uma exigência: “além do poder, precisamos que os
senhores também acabem com os gatos. Mal podemos respirar com eles à solta”,
pediu o camundongo. O ratão concordou, balançando a cabeça.
Fechado o
acordo, os ratões fizeram sua parte e expulsaram todos os gatos do pedaço. E os
camundongos, agora no comando, se puseram a trabalhar. Ou pelo menos,
fingiam que estavam trabalhando, da mesma forma que faziam os ratões gulosos.
Começaram a fazer propaganda na televisão sobre tudo de bom que haviam feito em
tão pouco tempo e que as coisas estavam muito melhor. A esperança havia vencido
o medo que todos tinham daqueles ratões gordos e horrendos.
E tudo
parecia ter melhorado mesmo.
Os ratinhos
mais pobres agora tinham direito a uma pequena ração de queijo. Um queijinho
vagabundo, é verdade, mas era melhor do que passar fome.
Os camundongos que
estavam no poder, começaram a gostar daquela vida. Depois de tanto tempo, eles
finalmente colocavam suas patinhas em todo aquele queijo. E estavam se
empapuçando. Mas como não eram bobos nem nada, preferiam guardar a maior parte
do queijo fora do país, para não dar muito na vista. E continuaram morando em
suas casinhas simples para manterem as aparências. Afinal, ninguém podia ficar
sabendo que eles estavam guardando tanto queijo, ao invés de dividi-lo com o
restante dos ratinhos.
Mas quem
ainda mandava pra valer eram os ratões, que viviam em suas mansões e tinham
mais queijo do que nunca. A única diferença é que eles agora deixavam os
ratinhos circularem livremente, pois não havia mais gatos por ali.
Nunca na
história daquele reino se viu tanta gente feliz e risonha, fossem ratinhos ou
ratões.
Mas depois de
um tempo, as coisas começaram a piorar. Os ratinhos pobres ainda recebiam uma
pequena ração de queijo por dia, mas foram ficando cada vez mais pobres. E
aqueles que tinham conseguido comprar um carrinho e uma casinha um pouco
melhor, agora não tinham mais como pagar o que haviam comprado e tiveram que
entregar tudo para os ratões, que eram os donos dos bancos que financiavam
aquilo.
Naquela altura,
a ratinha velha já tinha bisnetos. “Meus filhotes, esse país já foi bom um dia.
Mas isso era nos tempos que haviam gatos, que nos caçavam por aí. Hoje podemos
andar por toda a parte. Mas não temos mais nada. Perdemos a esperança, pois os
camundongos, que eram bonzinhos e idealistas, tornaram-se egoístas e malvados,
como os ratões. Já não temos mais em quem confiar”, dizia a velhinha
inconsolável.
A velhota
tinha razão. Os camundongos foram ficando cada vez mais gulosos. Não queriam
dividir mais nada com ninguém, nem mesmo com os ratões. E aqueles ratinhos, que
antes eram mirrados e pequenos, agora eram poderosos. E começaram a comer
tanto, mas tanto, que mal conseguiam passar pela porta de suas casinhas.
Os ratões também já
não andavam tão contentes. Mas eram muito espertos e não tiveram dúvida. Foram
ao lugar onde moravam todos os gatinhos e espalharam notícia, dizendo que os
camundongos de Ratolândia agora estavam tão gordos, que mal entravam em suas
casas. Seriam presas fáceis para os gatinhos, que já estavam com saudade da
carne macia dos camundongos.
Não demorou muito,
o reino estava cheio de gatos novamente, comandados pelos ratões, que seguiam
sendo muito gordos e fortes. Os ratinhos pobres, por sua vez, continuavam
magrinhos e não tinham problemas para correr e se esconder. Mas os camundongos,
agora gordinhos, mal podiam se mexer. Para piorar a situação, os que conseguiam
escapar das garras dos gatinhos, acabavam entalados nas portinhas das suas
casas. Foram todos devorados rapidamente.
Assim termina esse
conto, com um final que não é dos mais felizes. Ratolândia voltou a ser como
era antes, controlada pelos ratões. E os ratinhos pequenos continuam vivendo
escondidos, comendo as migalhas que sobram.
Se você gostou
dessa estória, compartilhe. Ela não tem a menor pretensão de mudar nem
ratinhos, nem ratões. Mas se você lê-la para seus filhos, talvez eles gostem.
Quem sabe, um dia, eles se lembrarão dela e vão querer fazer um final
diferente?
Claudio Henrique dos Santos é jornalista formado pela
Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, em São Paulo. Desenvolveu a maior parte
da sua carreira profissional nas áreas de de Comunicação Corporativa e de
Relações Institucionais, principalmente na indústria automobilística. Em 2010
foi morar em Cingapura, acompanhando um convite profissional recebido por sua
esposa. Desde então, é sua principal atividade é cuidar da casa e da filha, e
dar em casa o suporte que a família necessita. Escreve às terças-feiras a
coluna Macho do século 21, no blog da editora Nova Alexandria.
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