Por Therezinha Hernandes.
Recentemente, surgiu no Brasil a palavra chicungunha, aportuguesamento de chikungunya, nome da doença que pode ser descrita como uma versão muito pior da dengue. O termo vem da língua maconde, um dos idiomas oficiais da Tanzânia, onde foi documentada a primeira epidemia da doença em 1953, e provém da raiz do verbo kungunyala, “tornar-se dobrado ou contorcido”, devido à aparência curvada dos pacientes, causada pelas fortes dores articulares e musculares. Em Angola, é conhecida como catolotolo, do quimbundo katolotolu, derivado do verbo kutolojoka, “ficar alquebrado”.
Não que eu queira falar de
doenças – seria muito mórbido. Sério, sem trocadilho. Apenas fico intrigada com
as palavras e sua sonoridade. Aliás, mórbido vem do latim morbos (estado patológico, doença), que originou morbidus (enfermo, doente, doentio). Não
entendo como essa mesma palavra, em italiano, pode significar “macio”, “suave”,
“delicado”.
De uma língua para outra,
palavras que aparentemente pertencem à mesma família podem ter significados completamente
diferentes – os falsos cognatos.
Mas existem palavras cujo som
representa muito bem as coisas a que dão nome.
Já falei, aqui, sobre línguas puras, conceito praticamente
impossível de existir. O nosso bom português do Brasil não é uma delas, para
nossa sorte e alegria. Assim, assimilamos vocábulos de várias origens, até
mesmo de línguas longínquas no espaço e no tempo, como o sânscrito e o persa: o
pagode, tão popular como ritmo
musical, veio do sânscrito e passou pelos significados de “templo hindu”,
“ídolo indiano” e “festa barulhenta” – não preciso adicionar nada a este último
quesito. Paraíso vem do persa, e
designava um recinto circular. Depois passou a significar “pomar” (hebraico),
“jardim ou parque dos nobres” (grego), até chegar a paradisus, “paraíso terrestre ou celeste” (latim).
Mas confesso que os sons das
palavras de origem indígena e africana, no português do Brasil, são mais
melodiosos. E, muitas vezes, já dão uma pista do seu significado.
Pipoca, por exemplo, já tem o “POC” para sugerir o som do estouro
do milho, não é? Pois vem do tupi pi’poka,
em que pira é pele, e pok, estourada – literalmente, a pele
estourada do milho.
Pororoca, fenômeno natural produzido pelo encontro de águas
fluviais com as oceânicas, é muito mais elucidativo do que seu sinônimo macaréu. Do tupi poro’roka, gerúndio do verbo poro’rog
(“estrondar”), significa isso mesmo: estrondo.
O verbo tupi pererek, por sua vez, significa “pular”, “andar aos saltos”, e daí
vem o nome do conhecido anfíbio – a perereca,
que vive aos pulinhos. Explica também a analogia com o órgão genital feminino.
Sem mais comentários.
Mingau tem uma sonoridade que por si mesma sugere algo mole,
pastoso, e é isso mesmo. A palavra tupi minga’u
quer dizer “papa”, “empapado”.
O verbo tupi nhe’enga quer dizer “falar”, e por isso a expressão “pare com esse
nhen-nhen-nhen” significa “pare de falar tanto”, “chega de falar sem parar”.
Velha coroca é uma ofensa infelizmente comum. O verbo tupi kuruk quer dizer “resmugar”, e por isso
“velha coroca” significa “velha resmungona”.
Quem nunca esteve na pindaíba? Isso também é comum. A palavra
pertence à língua africana quimbundo,
e se origina da junção de mbinda
(“miséria”) com uaíba (“feia”),
resultando em mbindaíba, cujo
significado muita gente conhece.
Também do quimbundo vem a palavra
moleque (mu’leke, “menino”).
Banguela deriva do nome de uma localidade angolana, Benguela, cujos habitantes, no passado,
especialmente os homens, costumavam serrar os dentes incisivos.
Mas uma das palavras de origem
africana mais utilizadas no nosso país é bunda,
que também é originária do quimbundo, designando a mesma coisa.
Outra palavra africana de muito
sucesso no Brasil é samba. Vem do
quimbundo semba, que significa
“umbigada”. Isso se deve ao fato de que, em Luanda, onde se originou a dança,
num dado momento os pares trocavam umbigadas. Já no umbundo, outra língua de origem banta falada em Angola,
principalmente na região de Luanda, a palavra significa “estar animado”. Isso parece
ter mais relação com o samba brasileiro.
Bem, existem outras palavras cuja
sonoridade parece sugerir significados totalmente diferentes dos que lhes são
atribuídos – como falácia, que para
Luís Fernando Veríssimo lembra algo vagamente vegetal. Mas isso fica para uma outra
vez.
Por hoje, vou deixar de
nhen-nhen-nhen, para não bancar a velha coroca.
Axê, e até a próxima.
Sempre aumentando os meus conhecimentos com você. Beijos.
ResponderExcluirObrigada, Ronaldo Tom Torres!!!
ResponderExcluirTambém aprendo com as crônicas do Junco...
Beijos
Olá! Existe um nome para esse tipo de palavras que exprime o som do objeto ao qual se refere?
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