Por Therezinha Hernandes.
A proposta desta coluna, desde o
início, é discorrer sobre a gramática e os usos do português.
É uma tarefa prazerosa e inglória
ao mesmo tempo; adoro o que faço, amo estudar a estrutura das línguas (da nossa
e de outras), mas sei que as pessoas ou abominam ou desprezam a gramática, haja
vista que a encaram, na maioria das vezes, como um amontoado de regras chatas
que só inibem os falantes.
Assim, mostrar que a gramática
não é puramente impositiva se torna uma trilha árdua... Mas quem disse que sou
de esmorecer?
Costuma-se associar a palavra
gramática à chamada norma culta da
língua, ou seja, um conjunto de regras, de padrões, mais ou menos impostos por
estudiosos ou acadêmicos, sem levar em conta os usos correntes da língua pelos
seus falantes.
Essa é a gramática normativa, causadora de arrepios aos estudantes e de
engulhos aos linguistas.
Porém, a gramática não se
restringe a esse papel. Nas suas diversas aplicações (normativo, histórico,
comparativo, funcional, descritivo), ela
estuda os aspectos estruturais da língua; em outras palavras, a
morfologia e a sintaxe. A morfologia estuda a forma das palavras, sua
composição; a sintaxe estuda as relações entre as palavras.
Sob esse prisma, ela é ferramenta
importante para os estudos linguísticos relativamente aos usos de uma língua
pelos seus falantes.
Mais do que isso, a gramática
como estudo das estruturas permite a obtenção de conhecimentos e a análise das
informações coletadas também acerca de línguas que não possuem registro escrito
(isto é, que são apenas faladas), adquirindo, então, relevo para a preservação
da linguagem, especialmente se considerarmos a imensa quantidade de línguas em
risco de extinção pelo mundo.
Uma dessas línguas é o N/u, falada por apenas uma dezena de
pessoas na África do Sul. No período do apartheid,
os povos sul-africanos foram obrigados a se expressar em africâner, para que os
dominadores brancos pudessem compreender.
O vídeo abaixo retrata falantes
do N/u, com algumas explicações sobre
sua fonética. As legendas estão em inglês (se alguém versado nessas tecnologias
puder colocar legendas em português, agradeço), e por isso vou transcrever
algumas passagens importantes:
- “Sempre que nos reuníamos,
falávamos em N/u; discutíamos nossos
problemas em N/u. Nós ríamos em N/u...” (A língua é parte dos elementos que fazem de um povo uma
nação; poder se expressar na própria língua é uma afirmação do espírito
nacional. Proibir seu uso é o caminho para extinguir a cultura de uma nação.)
- “Quando um de nós [os mais
velhos, poucos, ainda falantes do N/u]
morre, a língua também morre. Nós cobrimos os mortos com terra, mas a língua
não é como uma planta, que revive.” (A
língua faz parte da cultura de um povo. Quando uma língua se extingue, leva com
ela a cultura que caracteriza esse povo.)
Diferente é o caso do crioulo
cabo-verdiano, visto que há um projeto de torná-lo língua oficial de Cabo Verde
paralelamente ao português. Porém, existem algumas dificuldades para que isso
aconteça. Por exemplo, assim que uma conversa se torna formal ou oficial, ainda
se dá preferência ao português, que também prevalece nos escritos,
principalmente documentos oficiais; não havia para o crioulo a modalidade
escrita da língua; além disso, coexistem nas ilhas do arquipélago várias formas
dialetais a serem consideradas. Ainda que a oficialização do crioulo
cabo-verdiano possa demorar, em face dos problemas encontrados, há uma forte
disposição governamental para que as variantes do crioulo sejam estudadas e
registradas. O estudo de suas estruturas gramaticais, assim, visa à preservação
da língua falada como forma de manutenção da cultura e da identidade nacional.
Nesse enfoque, a gramática exerce
papel relevante para os estudos linguísticos visando à preservação de línguas
que, ou não apresentam registros escritos, ou cujo emprego por seus falantes
foi impedido em virtude de dominação político-social. E, mesmo quando se trata
de uma língua extinta, a gramática integra o conjunto de ferramentas empregadas
na sua recuperação.
Analisando a gramática pelo
ângulo de suas contribuições para a preservação das línguas, espero conseguir
modificar a imagem de que ela tolhe a expressão oral, e, desse modo, resgatá-la
do limbo a que vem sendo injustamente relegada.
Querida,
ResponderExcluirQue legal a sua coluna desta semana! Parabéns, TT. Para os leitores que quiserem saber mais sobre crioulo cabo verdiano, e sua transição para o ensino recomendo: 'Língua Cabo-Verdiana: da oficialização à transição para língua de ensino', de Isis Cleide da Cunha Fernandes, disponível no site portaldoconhecimento.gov.cv
E vamos em frente!!! Adorei conhecer o N/u.
Beijos