quinta-feira, 26 de junho de 2014

CINEME-SE - E os urubus

Por Plínio de Mesquita Camargo.


Barracos beiravam os trilhos junto à ponte do Ceasa, passava um trem de carga. Iam para a fazenda, os primos todos, talvez nem notaram. Fosse noite, olhariam o farol no morro. Mais que não ter tv, na fazenda incomodava a água fria. Na cidade perto não havia... na verdade mal havia perto uma cidade.

Não há mais favela junto aos trilhos; há no morro embaixo do farol. Essa não tem aparecido na tv. Vez e outra aparece uma favela em chamas. Parece com os filmes: combustão (quase) espontânea. Caso de Favelados meus amores, estreia da palavra no cartaz. Carmen Santos era professora e o dono de um bar com música ao vivo encantou-se por ela... É de Humberto Mauro (produção de Carmen), 38.

Os incêndios dos anos 1970, na tv, eram verticais. Inútil tentar escondê-los. As almas que, garante-se, ficaram do Joelma foram tema de filme, de que mais não sei. O prédio com a torre da Record mesmo de longe deu medo. Teatros e estúdios de emissoras de tv também andavam queimando.

Não fazem quarenta graus no Rio, disse a polícia do governador Lacerda, e proibiu Rio 40 graus. Aliás, nenhum menino de favela vende amendoim na praia para dar remédio a mãe doente. Ano (54) de eleição. O time de Lacerda perdeu essa. O filme ficou, é de Nelson Pereira dos Santos. Ele insistiu, e Grande Otelo garantiu Rio Zona Norte (57), de compositor que vende samba por jantar.

Em Orfeu Negro (ou Orfeu do Carnaval) não se queimam barracos. Marcel Camus (francês) revela ao mundo que há mais vistas da Guanabara que as de Pão e Corcovado. Ganha Cannes (59), Oscar, Globo de Ouro (60), e porque tem Vinícius e Tom autores do original, é quase como se fosse brasileiro. Cinco vezes favela (62) é brasileiro; ali samba, cachaça e mulherio os males do morro são. É de cinco rapazes do Cinema Novo.

A avó, apontando um morro em Santos: dizem que são pobres mas todos têm televisão. Não eram muitas antenas, longe de disputarem os telhados como no Jardim. Ia na mala sua portátil, que nem de frente para o mar o anoitecer faria sentido sem Ivani Ribeiro.

Mais desaforo que tevê na favela, era favela na tevê. Ninguém viu o formidável despejo da Vergueiro, pai e mãe de Heliópolis. Casinhas de tábuas podiam ser cenário para um samba (a tv comeu a chanchada). De resto, favela era onde se esconderem (inutilmente) Mineirinho e Cara de Cavalo. Pobre de novela (bonzinhos e vilões) morava em pensão.

No cinema a favela também ficou rara. Podia um morro intrometer barracos no fundo de uma externa, entrevistar-se um pandeirista em sua janela nas alturas, mas só estudantes de cinema filmavam a criança feia e morta. 



VAI BRASIL!



Plínio de Mesquita Camargo é cineclubista, poeta e trabalha hoje na Biblioteca Paineiras, do Centro Cultural Vladimir Herzog, de Diadema. Da geração 70 e 80 de poetas undergrounds de São Paulo, publico em mimeógrafo e xerox. Pela Edita Plêiade, publicou em 2012 o volume de poemas Folhas Ta(o)ntas. Pela editora Nova Alexandria escreveu Breve história do cinema brasileiro, no prelo. Escreve a coluna Cineme-se no blog a editora Nova Alexandria a coluna, e passa a assiná-la todas as quartas-feiras.

http://blognovaalexandria.blogspot.com.br/2014/06/novela-dr-monstro-no-futuro-viver-sera.html


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