Por Susana Ventura.
No ensaio ‘O direito à literatura’, Antonio Candido, maestro
soberano, nos fala de bens que chama de 'incompressíveis': o direito à
literatura e à fruição do belo, por exemplo. E ensina que é fácil a todos
compreendermos que é preciso ter água, luz, boa alimentação, acesso à saúde
(bens 'compressíveis'), mas que, ao tratarmos de direitos menos palpáveis, às
vezes 'a coisa pega'.
Falando só de
literatura: é preciso oferecer acesso ao melhor, ao mais belo, ao de qualidade
e, a partir disso, cada leitor fará sua escolha pessoal. Na coluna de hoje
continuo a abordar o tema das ‘adaptações’ e ‘recontos’
de obras clássicas, sejam elas em português ou em outras línguas.
O livro que pretende realizar uma ‘facilitação de Machado de
Assis’ (leia um pouco da polêmica clicando aqui) não corresponde ao que eu
considero como adaptação. Aqueles que examinaram a obra disseram que não fica
claro de pronto ao leitor que não se trata de texto de autoria de Machado. Pelo
exame da capa, por exemplo, o leitor pensa estar diante de texto original, o
que o ludibria. E tudo de que um leitor, de qualquer idade ou acuidade leitora,
não precisa, é ser enganado.
Num país em que estamos formando leitores – afirmo, estamos
melhorando nesse ponto – são muito necessários os bons livros. Livros bem
pensados, com textos bons, projeto gráfico bom, ilustrações (quando é o caso)
de qualidade. Não falo de livros
sofisticados, falo de livros bons, que podem ou não ter maior grau de
sofisticação (o que tem implicações econômicas, naturalmente).
E há livros bons produzidos e em processo de produção no
país, em abundância e feitos, muitas vezes, por pequenas editoras que lutam
muito para sobreviver e se mantém, há anos, no mercado quase que por pura
teimosia. Parte dos livros que produzem as editoras brasileiras destina-se ao
público composto por crianças, jovens e neoleitores de todas as idades,
trazendo poesia e prosa de qualidade.
Por isso é importante um posicionamento quando a distorção
aparece, no caso a pretensão de podar a possibilidade de que todos os leitores
cheguem ao Machado de Assis real, integral. O caminho construiremos juntos:
professores, autores, editores, mediadores de leitura, livreiros.
O direito à fruição da literatura precisa ser preservado e
defendido. Para isso trabalho e por isso escrevo e dou aulas.
Ótimo, Susana!!
ResponderExcluirSe a questão é tornar a leitura acessível a um maior número de pessoas, que se ofereçam obras já existentes ou se produzam novas, destinadas a cada faixa leitora - exatamente como você disse brilhantemente na sua coluna. É desnecessário aviltar, sob a desculpa da "facilitação", as obras de escritores já consagrados. Cada uma dessas obras reflete a riqueza íntima de seu autor, mas também é fruto e espelho de uma determinada época. Uma leitura interdisciplinar nas escolas, por exemplo, seria muito mais proveitosa do que "simplificar" os textos. Muitas obras clássicas, brasileiras e estrangeiras, foram objeto de releituras, especialmente cinematográficas, acrescentando aos textos outras linguagens - tudo isso poderia ser objeto de análise, seja em sala de aula, seja em oficinas, ou por quaisquer outros meios, e para tanto há professores bastante capacitados e empenhados. De outro lado, as editoras engajadas em projetos que visam a oferecer literatura de qualidade ao público merecem mais visibilidade e maior apoio. Juntando tudo isso, o público leitor só tem a ganhar, e é um processo muito mais útil do que a "facilitação" que violenta obra alheia.
Belo texto, Susana!!
Obrigada, querida TT. Respondi ontem, entre um avião e outro e a tecnologia 'devorou' meu comentário. Concordo com você. Material escrito somado a ação de pessoas como nós: professores e mediadores de leitura, fazem o que me parece preciso realizar. Beijo e até a próxima.
ResponderExcluirE vamos à luta!
ResponderExcluirBeijão e bom domingo!!