quinta-feira, 15 de maio de 2014

PORTUGAIS, BRASIS E ÁFRICAS - Simplificaram Machado de Assis, o próximo pode ser você!



Por Susana Ventura.

No ensaio ‘O direito à literatura’, Antonio Candido, maestro soberano, nos fala de bens que chama de 'incompressíveis': o direito à literatura e à fruição do belo, por exemplo. E ensina que é fácil a todos compreendermos que é preciso ter água, luz, boa alimentação, acesso à saúde (bens 'compressíveis'), mas que, ao tratarmos de direitos menos palpáveis, às vezes 'a coisa pega'.

Falando só de literatura: é preciso oferecer acesso ao melhor, ao mais belo, ao de qualidade e, a partir disso, cada leitor fará sua escolha pessoal. Na coluna de hoje continuo a  abordar o tema das ‘adaptações’ e ‘recontos’ de obras clássicas, sejam elas em português ou em outras línguas.

O livro que pretende realizar uma ‘facilitação de Machado de Assis’ (leia um pouco da polêmica  clicando aqui)  não corresponde ao que eu considero como adaptação. Aqueles que examinaram a obra disseram que não fica claro de pronto ao leitor que não se trata de texto de autoria de Machado. Pelo exame da capa, por exemplo, o leitor pensa estar diante de texto original, o que o ludibria. E tudo de que um leitor, de qualquer idade ou acuidade leitora, não precisa, é ser enganado.
        
Num país em que estamos formando leitores – afirmo, estamos melhorando nesse ponto – são muito necessários os bons livros. Livros bem pensados, com textos bons, projeto gráfico bom, ilustrações (quando é o caso) de qualidade.  Não falo de livros sofisticados, falo de livros bons, que podem ou não ter maior grau de sofisticação (o que tem implicações econômicas, naturalmente).

E há livros bons produzidos e em processo de produção no país, em abundância e feitos, muitas vezes, por pequenas editoras que lutam muito para sobreviver e se mantém, há anos, no mercado quase que por pura teimosia. Parte dos livros que produzem as editoras brasileiras destina-se ao público composto por crianças, jovens e neoleitores de todas as idades, trazendo poesia e prosa de qualidade.
  
Por isso é importante um posicionamento quando a distorção aparece, no caso a pretensão de podar a possibilidade de que todos os leitores cheguem ao Machado de Assis real, integral. O caminho construiremos juntos: professores, autores, editores, mediadores de leitura, livreiros.

O direito à fruição da literatura precisa ser preservado e defendido. Para isso trabalho e por isso escrevo e dou aulas.

3 comentários:

  1. Ótimo, Susana!!

    Se a questão é tornar a leitura acessível a um maior número de pessoas, que se ofereçam obras já existentes ou se produzam novas, destinadas a cada faixa leitora - exatamente como você disse brilhantemente na sua coluna. É desnecessário aviltar, sob a desculpa da "facilitação", as obras de escritores já consagrados. Cada uma dessas obras reflete a riqueza íntima de seu autor, mas também é fruto e espelho de uma determinada época. Uma leitura interdisciplinar nas escolas, por exemplo, seria muito mais proveitosa do que "simplificar" os textos. Muitas obras clássicas, brasileiras e estrangeiras, foram objeto de releituras, especialmente cinematográficas, acrescentando aos textos outras linguagens - tudo isso poderia ser objeto de análise, seja em sala de aula, seja em oficinas, ou por quaisquer outros meios, e para tanto há professores bastante capacitados e empenhados. De outro lado, as editoras engajadas em projetos que visam a oferecer literatura de qualidade ao público merecem mais visibilidade e maior apoio. Juntando tudo isso, o público leitor só tem a ganhar, e é um processo muito mais útil do que a "facilitação" que violenta obra alheia.
    Belo texto, Susana!!

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  2. Obrigada, querida TT. Respondi ontem, entre um avião e outro e a tecnologia 'devorou' meu comentário. Concordo com você. Material escrito somado a ação de pessoas como nós: professores e mediadores de leitura, fazem o que me parece preciso realizar. Beijo e até a próxima.

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  3. E vamos à luta!

    Beijão e bom domingo!!

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