quinta-feira, 15 de maio de 2014

SALA DE LEITURA - A responsabilidade dos discursos televisionados na vida dos leitores

Por Sirlene Barbosa.

Discorro, nesta coluna, sobre uma aula na Sala de leitura, reservada ao empréstimo de livros e à leitura livre na sala. Alguns estudantes tomaram contato com uma das muitas histórias do ratinho “Filipe”, no caso o livro Filipe faz uma experiência (1987), editado pela Martins Fontes.

Algumas crianças, pois o público dessa aula foi a turma do 4º ano, vieram à minha mesa boquiabertos com a história do Filipe, do livro já citado. Diziam que o ratinho “FU-MA-VA!!!”. Mostraram-me que ele, o rato, tinha uma moeda nas mãos, comprou cigarro e FUMOU!!! (Foi assim que eles se expressaram).

A surpresa não era a de um rato fumar. Não, o problema não estava com o rato, mas com o fato de alguém, algum ser vivo, fumar.

Lembrei, então, de meu contexto histórico, na época dos meus 10 anos, estudando no 4º ano, ano de 1991. Naquele período, ainda eram televisionadas as propagandas de cigarro, então, para minhas reflexões leitoras, o fato de alguém fumar não me chocaria como chocou essas crianças, nascidas no início do século XXI. Afinal, todos fumavam, assim era a vida na minha cabeça.

Quero dizer com tudo isso que é perceptível a força que a TV tem sobre seus telespectadores, portanto, leitores. Daí, é possível compreender a potência que um discurso televisionado em horário nobre, por uma âncora de um jornal, digamos “famoso”, tem.

Quando Rachel Sheherazade “aplaude de pé”, meses atrás, a atitude de uma suposta vítima de um assalto, no Rio de Janeiro, que para se vingar, amarra no poste e espanca o “assaltante” (pelo menos, foi essa a notícia informada); e meses depois, para ser mais assertiva, dia 3 de maio deste ano, uma mulher é linchada e morre (não, não vou citar o motivo, porque independente de a vítima do linchamento ser ou não inocente, isso é só mais um peso sobre o horroroso episódio, o que devemos discutir é a violência do linchamento), fica impossível não perceber a ponte formada entre o discurso irresponsável de uma jornalista e a atitude impensada, violenta e, portanto, maldosa de uma turba sem educação, de fato, pois se trata de gente educada pela TV.

Bem, afirmo que os discursos televisionados têm uma grande influência na interpretação da vida dos leitores de livros, de telas de TV, por fim, leitores da vida. Basta ver as crianças da Sala de leitura em que trabalho: elas ficaram estupefatas com um ser fumando, por conta do contexto sócio-histórico que as rodeia.

Assim, finalizo me questionando e propondo esta reflexão: e quanto ao ato de linchar alguém até a morte? É normal? Roubou, sequestrou, matou etc., lincha até a morte?

E como sempre: viva a boa literatura!

Sirlene Barbosa é Mestra em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – PUC-SP, professora de língua portuguesa de colégio particular e da Sala de Leitura da PMSP. Escreve todas as sextas-feiras a coluna Sala de leitura para o blog da editora Nova Alexandria.

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