Por Cláudio Henrique dos Santos.
Jornadas longas de trabalho,
horas perdidas no trânsito e no transporte público e a correria do dia-a-dia
leva os pais a cada vez mais dependerem de outras pessoas no cuidado com os
seus filhos. Mas será que não podemos fazer um pouco mais e melhor?
Minha filha Luiza está às
vésperas de completar sete anos de idade. Ela é uma benção na minha vida e da
minha esposa. Não poderia ser uma criança mais carinhosa e alegre. Sua
inteligência é notável e ela faz conexões de ideias surpreendentes para uma criança
da sua idade. Seu entusiasmo contagia imediatamente a todos aqueles que com ela
convivem. Ama a escola e os amiguinhos e tem um coração enorme. Recentemente,
ela foi diagnosticada com dislexia, que é um distúrbio de aprendizagem, e com
TDAH (Transtorno de Atenção e Hiperatividade).
Até aí, nada demais. Ela tem um
desenvolvimento e inteligência compatíveis com as crianças da sua idade, mas
aprende as coisas de uma maneira diferente. Precisa de uma atenção mais
individualizada e de muita repetição.
Essa descoberta me levou a uma
reflexão importante: se eu não tivesse tomado a decisão de parar de trabalhar
para poder acompanhá-la mais de perto, nós jamais perceberíamos que havia algo
de errado e não poderíamos ajudá-la na hora certa, como estamos fazendo agora.
Como resultado, ela fatalmente ficaria desmotivada na escola, pois estaria cada
vez mais atrasada em relação aos seus coleguinhas. E o que deveria ser algo
agradável, poderia tornar-se um fardo enorme.
Hoje eu reflito sobre a situação
que eu tínhamos em casa há pouco mais de três anos. Minha esposa e eu
trabalhando como loucos, ambos viajando demais. Embora fizéssemos o máximo para
ficar ao lado dela nas pouquíssimas horas que restavam, a verdade é que
invariavelmente ela ficava aos cuidados de uma babá, sob a supervisão de uma
das avós – que sorte a nossa de poder contar com elas nessa hora.
Sem dúvida, achávamos que
estávamos fazendo o melhor, lutando para construir um futuro mais confortável
para a Luiza. Na verdade, isso é o que todos nós fazemos hoje na sociedade
moderna. Pagar as contas de casa está cada vez mais difícil, portanto pais e
mães não têm muita opção que não seja a de delegar a terceiros o cuidado com os
filhos. Mas isso não significa que também devemos “terceirizar” a educação deles.
A eventual ausência dos pais não
tem impacto apenas na educação formal das crianças na escola, mas também pode
ter consequências graves na formação da criança até mesmo como cidadãs, sem
contar os perigos aos quais elas ficam expostas.
Recentemente, li uma matéria
publicada pelo portal de notícias UOL que tem como título “Babás fazem relatosassustadores de pais que terceirizam os filhos”. A matéria é muito interessante
e recomendo demais sua leitura. Além de abordar as situações vividas pelas babás
e mostrar como alguns pais acabam literalmente entregando a vida de seus filhos
nas mãos de pessoas que muitas vezes eles mal conhecem, traz algumas reflexões
sobre o que podemos fazer para participarmos mais na vida de nossos filhos e os
impactos positivos disso.
Impossível não lembrar de alguns
casos que presenciei no condomínio que eu morava em São Paulo. Num deles, havia
um menino de uns 8-9 anos de idade, que aprontava o diabo. Colava pedaços de
pizza no espelho do elevador, escrevia palavrões nas paredes do prédio, vivia
tentando dar rasteira em quem saía do elevador para derrubar a pessoa. Era a
figura mais presente no saguão do condomínio. Os pais, nunca vi. Até o dia que
o dito cujo tentou me derrubar na saída do elevador e fui comunicar a eles o
ocorrido. O pai falou cobras e lagartos dizendo que eu estava exagerando e
bateu a porta na minha cara. Falta de educação vem de berço, fazer o quê?
Mais tarde, num outro condomínio
onde morei, a situação era ainda mais preocupante. Quatro prédios, uma área
comum e um terreno enormes. Não era difícil de “perder” uma criança por ali. O
que mais me chamava a atenção é que as babás ficavam com as crianças o tempo
todo, mesmo nos finais de semana. As crianças um pouco maiores viviam andando
sem a menor supervisão pelo prédio o dia inteiro, sempre passando das 10 da
noite. E os adolescentes se “amassando” por todos os cantos, pouco se
importando com quem passava. Mas o que se via pouco mesmo era a presença dos
pais.
Em qualquer situação, toda a
atenção com as crianças ainda é pouco. Num ambiente como esse, é inevitável que
as coisas aconteçam. Certo dia, chego em casa e me deparo com três viaturas do
corpo de bombeiros. Eles estavam tentando retirar um menino de 10 anos de
idade, que, sabe Deus como, conseguiu subir na caixa d’água de dos prédio, que
tinha 29 andares. Outra ocasião, um pai perdeu a cabeça e ameaçou uma criança
com uma faca, por conta de alguma coisa que haviam aprontado com o filho dele.
Não tive a menor curiosidade de saber do que se tratava, mas coisa boa não foi.
É uma tristeza constatar que
alguns pais enxergam a escola como a principal responsável pela educação dos
filhos. Sem contar aqueles que, como mostra a matéria do UOL, “terceirizam”
essa função para outras pessoas. É importante estar próximos deles o máximo de
tempo possível, acompanhar o progresso na escola, observar como se comportam na
companhia de outras crianças e, principalmente, ensinar valores que eles só poderão
aprender em casa, observando e imitando o comportamento dos próprios pais, que
são (ou pelo menos deveriam ser) a maior referência dos filhos.
Não tenho dúvida que tomei a
melhor decisão quando passei a me dedicar em tempo integral à criação da Luiza
e que sou um privilegiado por isso. Claro que a parte financeira pesa demais e
às vezes me sinto culpado em deixar nas mãos da minha esposa a tarefa de ser a
provedora da casa, principalmente agora, quando as despesas com escola e
terapias complementares irão pesar mais ainda no orçamento.
Mas sem perdas não há ganhos.
Estou certo que esses anos “investidos” na Luiza não preço. Para mim, cada dia
que passo ao lado dela tem um valor inestimável. E o resultado prático dessa
dedicação, ela colherá no futuro. Embora hoje eu já receba isso de volta com
juros e correção, na forma de abraços, beijos e sorriso que ela distribui
incansavelmente.
Claudio Henrique dos Santos é jornalista formado pela Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, em São Paulo. Desenvolveu a maior parte da sua carreira profissional nas áreas de de Comunicação Corporativa e de Relações Institucionais, principalmente na indústria automobilística. Em 2010 foi morar em Cingapura, acompanhando um convite profissional recebido por sua esposa. Desde então, é sua principal atividade é cuidar da casa e da filha, e dar em casa o suporte que a família necessita. Escreve às terças-feiras a coluna Macho do século 21, no blog da editora Nova Alexandria.
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