quarta-feira, 7 de maio de 2014

DIÁRIO VAGULINO - Desenhos das quebradas do mundaréu: 2

Por João Pinheiro.

“É melhor fazer a menor coisa do mundo do que dar pouco valor a meia hora do nosso tempo”.

J. W. Goethe

Todos os dias o metrô segue abarrotado. Quem utiliza o metrô todo santo dia aprende a ser contorcionista do corpo e da alma. Nas televisões espalhadas pelo vagão são exibidas propagandas e dicas variadas. Chega a ser irônico, explico: Outro dia assisti a um vídeo educativo onde um ortopedista dava dicas de como caminhar da maneira adequada. A legenda ia aparecendo enquanto a câmera focalizava as pernas de duas pessoas andando lentamente, o texto era algo como: "Deve-se evitar pisar com a ponta do pé ou ‘marretar’ o chão, dando pisadas muito fortes.

O correto é primeiro aterrissar o pé no solo com o calcanhar, rotar e aterrissar a planta do pé". O problema é que o metrô estava tão lotado, que minha coluna estava torta, forçada por uma bolsa que vinha de trás, meus pés estavam colados devido a falta de espaço, minha mochila pesava no meu pescoço, meu nariz quase grudava na tela, para vocês terem uma ideia. No final desci todo dolorido. Gostaria de saber o que a direção do Metrô e o ortopedista tem a me dizer sobre a maneira como as pessoas são transportadas dentro dos vagões. Tenho certeza que está longe de ser o
modo correto e saudável.

Talvez isso explique a expressão cansada das pessoas dos meus desenhos, dormindo ou de cabeça baixa.  Acho que elas não estão tristes,  elas estão exaustas.

Pela manhã, a multidão ainda está meio que dormindo em pé. Por conta disso, todos caminham como zumbis, automaticamente, seguindo em fila para o trabalho, como gado açoitado. Quem vive em São Paulo, acredito, vive uma eterna relação de amor e ódio com a cidade. Não tem como não notar o ar melancólico que predomina nos vagões. É como se estivéssemos todos esperando que alguma coisa bacana acontecesse, sei lá... sacar o sentido da vida, arrumar um emprego digno, uma garota pra dividir as coisas, o final do ano e toda uma sorte de sonhos que uma pessoa possa ter.

Nos desenhos feitos nos vagões tento focar mais nas pessoas. Praticamente elimino do meu campo de visão tudo que julgo desnecessário, excessivo... Não sei bem como essa escolha se dá, estou tentando prestar mais atenção no processo, mas confesso que tudo ocorre melhor quando não penso nisso; É mais fácil e agradável quando desenho automaticamente, sem planejar muito.



Pela janela, as casas vão correndo pra trás, o Sol mais forte agora, recortando a calçada, vamos observando a paisagem, mas não vemos nada, cada um está em seu próprio mundo, viajando, mergulhado em pensamentos, vagando, à espera de dias melhores.



João Pinheiro é Ilustrador, artista plástico, autor de histórias em quadrinhos e infantis e professor, com livros publicados por várias editoras. É autor de Kerouac, (2011, editora Devir Livraria) e O espelho de Machado de Assis em HQ (2012, Mercuryo Jovem, em parceria com Jeosafá Fernandez Gonçalves).  Do Urban Sketchers, em parceria com Jeosafá tem vários livros infantis publicados, dois dos quais selecionados pela SEE-SPFaz de conta no jardim (2010, Mercuryo Jovem) e Um barco, um passarinho (2010, Plêiade). Publicou quadrinhos nas revistas: Front (Brasil), Graffiti (Brasil), Hipnorama (Argentina), Inkshot (EUA). Diário gráfico:  http://vagulino.tumblr.com/ - Site: http://jpinheiro.com.br/.

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