quinta-feira, 29 de maio de 2014

Brasis, Portugais e Áfricas - Fado, sim, mulheres escritoras, também!


Aí, Jisuis! O FADO! (Ilustração de José Malhoa).


Por Susana Ventura

O Fado é uma das minhas paixões e ‘piorei’ muito após a estada que tive em Lisboa para estudar, entre novembro de 2014 e abril de 2015, com uma bolsa de doutorado. Maria Manuel Marques Ferreira Amorim Rodrigues (e ainda teria direito a mais alguns sobrenomes esta minha amiga, entre os quais Castelo Branco, como Camilo) foi a responsável pela ‘fadite’ ter virado crônica, ensinando-me através de sua discoteca fabulosa e de sua habilidade para montar uma agenda cultural incrível.

A agenda costurada habilmente pela conhecedora profunda do tema que ela é, me levou a ouvir o que de melhor se fazia em Lisboa naquele inverno horrorosamente chuvoso. Eu estudava com afinco, demais até para o gosto de todos os presentes, preocupadíssima que estava em aprender o máximo. Mas, aos finais de semana e, por vezes, ao final da tarde, íamos ‘a tudo e mais alguma coisa’: pocket-shows da FNAC, lançamentos de livros em que havia fado, comícios do Bloco de Esquerda em que fadistas davam canja, concertos na Faculdade, apresentações na Fonoteca de Lisboa.

Sensível à ‘debilidade’ de recursos no bolso da estudante – outra doença que me acometia e de que não me recuperei até hoje, infelizmente – ela habilmente ‘cavava’ oportunidades de ouro naqueles meses em que fiz minha ‘formação’. Casa de Fado e Grande Noite do Fado conheci anos mais tarde, já muito quilometrada em Fado graças à minha amiga. Com ela escutei pela primeira vez Mísia a cantar ‘Lágrima’ num comício. Ela pontuando ao ouvir anunciado o título: ‘um fado maravilhoso, que ela canta melhor que a Amália... a única, aliás’.

A ‘fadite’ adquirida então só tem me trazido boas coisas: emoções, trabalhos lindos, gente amiga, conversas das mais deliciosas.

Dia 20 de maio, entre uma viagem de trabalho e outra, fui ao SESC Vila Mariana escutar Mísia cantar. Ao final do concerto ela cantou Lágrima. 10 anos depois da primeira audição eis-me privilegiada novamente, ouvindo-a cantar seu ‘fado fetiche’.

Nesse concerto em São Paulo, Mísia nos falou dos tempos de crise em Portugal e, entre as muitas tiradas bem humoradas que são marca da artista, o ‘youtube’ foi mencionado como possibilidade de alimento da alma em tempos difíceis. Nisso me inspirei para a coluna da semana passada, mas me ficou a vontade de fazer ao menos mais uma incursão ‘iutubística’!

Assim sendo, pensei em trazer hoje para nossa coluna um pequeno percurso pelos fados que Mísia tem gravado, a partir de poemas de escritoras portuguesas bem próximas de nós (tendência em que, aliás, atualiza Amália, aquela na parceria com Alain Oulman).

Começo pela amada Florbela Espanca (1894-1930), com Fado das Violetas:




Prossigo com a libertária, fantástica Natália Correia(1923-1993), escritora a que voltarei em nossas conversas. Mísia gravou, com letra de Natália, Que silêncio é esta voz.


A doce e maravilhosa Rosa Lobato de Faria (1932-2010) comparece ao percurso com  Ulissipo:



Já bem perto de nós, duas das maiores escritoras vivas da língua portuguesa: Agustina Bessa Luís (1922) e Lídia Jorge (1946).

Ambos os fados que se seguem têm para mim significados especialíssimos, a ponto de me lembrar com clareza das circunstâncias que cercaram a primeira vez em que ouvi cada um deles.

Aguenta, coração, vamos a Garras dos sentidos, com letra de Agustina Bessa-Luís:


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E, por fim,  ao maravilhoso ‘Tarde longa’, com letra de Lídia Jorge, e que me deixou completamente sem ar ao ouvi-lo:

 Bom, queridos, vou desligar o ‘modo fado’, mas só na semana que vem, está bem?

3 comentários:

  1. Susana, você acabou de me conduzir de volta à minha infância, quando pela primeira vez ouvi um fado. Foi "Mouraria", na voz da inigualável Amália Rodrigues.
    Desta vez me faltam palavras (o ar se foi já nas primeiras linhas desta sua crônica). Por isso, apenas relembro aqui "Tudo isto é Fado":
    "...Tudo isto existe
    Tudo isto é triste
    Tudo isto é fado (...)
    O fado é tudo o que digo
    Mais o que eu não sei dizer."

    Ó, m'nina, arranja-me uma caixinha de lenços, qu'estou cá a debulhar-me em lágrimas... Fado é pura emoção.
    Beijão, Susana!!

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  2. TT, querida,
    Não imaginava fazê-la precisar de lenços! Mas é um choro do bem, não é? Não sei, não sabe ninguém... A caixa de lenços chega logo aí, mas antes vai a Mísia para completar o trabalho: https://www.youtube.com/watch?v=kSP7wL8WzJw
    Beijinhos,
    Su

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  3. Bela crônica. Mas me deixou confusa quanto às datas mencionadas. A saber: "‘...piorei’ muito após a estada que tive em Lisboa para estudar, entre novembro de 2014 e abril de 2015, com uma bolsa de doutorado". Estou maluca ou de fato esse tempo mencionado ainda não chegou?...

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