quinta-feira, 22 de maio de 2014

BRASIS, PORTUGAIS E ÁFRICAS - Cabo Verde: uma porta de entrada

Césária Évora, a voz de Cabo Verde.
Por Susana Ventura.

Minha semana foi pontuada por viagens para falar e ouvir sobre Cabo Verde.

Primeira escala: Ribeirão Preto, na Oficina Cândido Portinari que trazia cinco das mais representativas vozes da literatura caboverdiana: Corsino Fortes, Fátima Bettencourt, Vera Duarte, Manuel Brito-Semedo e Danny Spínola.

Segunda escala: Assis, UNESP, para fazer parte da banca de mestrado de Bruna Carolina de Almeida Pinto, orientada por Rubens Pereira dos Santos e concluindo um belo trabalho sobre três romances do escritor cabo-verdiano Henrique Teixeira de Sousa.

Nos momentos que antecediam o primeiro compromisso, combinávamos a dinâmica de palco, quando me lembrei de dizer aos escritores que, em minhas aulas sobre Cabo Verde, sempre tinha sido Cesária Évora a me ajudar, a oferecer a porta de entrada para o país, sua cultura e sua literatura.

Vera e Fátima se juntaram a mim nas reflexões e passamos a lembrar o poder das vozes femininas como embaixadoras das culturas. Divulgando Cabo Verde para o mundo, hoje, lembraram Mayra Andrade e Lura.

Pela música, elas abrem-nos os caminhos, conquistam plateias, derrubam resistências para que possamos, a seguir, falar de literatura. Vozes, e sobretudo, vozes femininas.

Nós três estávamos apaziguadas com o fato: por mais que escrevamos, que falemos, que sejamos capazes de argumentar, a primazia do canto na conquista das sensibilidades é irrefutável.

Contei-lhes de meus alunos na Casa das Rosas -  no primeiro curso que ministrei ali em 2007 -  a decorarem as letras de ‘Mar azul’, ‘Sôdade’ e tentarem, por esse ‘método’ aprender rudimentos de crioulo. Conseguiram.

Cesária Évora: Sôdade.

Esta semana prosseguiu, comigo cruzando o Estado em ônibus. Na parada em São Paulo, na terça-feira dia 20, consegui ir escutar Mísia, a fadista portuguesa que consigo seguir quando nossas deambulações permitem algum encontro. Novamente tive a certeza do maravilhoso trabalho em prol da cultura e do conhecimento de um país que uma voz feminina pode fazer.

Não resisto a partilhar nesta crônica, um percurso por Cabo Verde que proponho que façam comigo e com Cesária Évora, nossa grande dama dos pés descalços, com uma pequena ajuda do youtube (clique): Mar azulSão Tomé na EquadorCarnaval de São Vicente.

Aqui temos mesmo um caminho: o mar, presença constante para o arquipélago, promessa de vida e sinalização de exílio como solução para a seca; a saudade, daqueles que iam forçados para São Tomé e Príncipe, de terras verdes e férteis (das 4 canções, ‘Sôdade’ é a mais política, atentem para letra – há traduções facilmente encontráveis).

A relação de Cabo Verde com São Tomé ficará mais explícita em ‘São Tomé da Equador’. E como as relações do antigo império luso foram todas feitas por mar, o pequeno percurso termina no ‘Carnaval de São Vicente’, que permitem comparar com os ritmos que marcam o Brasil.

Peço ajuda ainda à música para tocar no motivo da minha segunda escala, falar de Henrique Teixeira de Sousa (1919-20060, médico e escritor. Escritor engajado, preocupado com as dores humanas e em deixar a sociedade caboverdiana plasmada em uma trilogia de romances que funciona como um perfeito mecanismo.

O mais conhecido deles é ‘Ilhéu de Contenda’, uma vez que deu origem a um longa metragem em 1995, com produção de Paulo de Sousa sob a direção de Leão Lopes.

Ilhéu de  Contenda, o filme.

O filme é pontuado por belas interpretações de... Cesária Évora!

Mas o que de imediato podemos ter de Henrique Teixeira de Sousa, uma vez que não temos edição brasileira dos romances e o filme tampouco é fácil de encontrar?

Uma canção, homônima do romance e do filme, composta em Portugal por João Monge e Manuel Paulo e interpretada pela banda portuguesa Ala dos Namorados, com os belos vocais de um dos melhores contratenores desde sempre, Nuno Guerreiro.

Boa audição, caros leitores. Acho que na próxima semana haverá fado...a não ser que vocês decidam em contrário!


 Susana Ventura é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora do Ensino Superior e autora de ficção, ensaios e obras para formação de professores. Todas as quinta-feiras escreve a coluna Brasis, Portugais e Áfricas para o blog da editora Nova Alexandria.



4 comentários:

  1. Ah, Susana...
    Que texto lindo!
    Homens socialmente engajados, e mulheres cujas vozes se misturam à voz da terra. Música e literatura, imagens e sentimento - mistura emocionante revelada a partir de um encontro inspirado.
    Que venha, agora, o fado!!!

    Beijo grande!!
    TT

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    1. Oba! Obrigada por acompanhar a coluna TT! E temos um voto para o Fado! (com o meu são dois, e já sei que o Tom Torres é fã também - fado 3 a 0). Beijos e até a semana.

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  2. Hoje te enviei, via Face, u'as músicas interpretadas pela Césaria Évora.

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    1. Super obrigada por acompanhar e pelas mornas, Tom Torres. Já fui lá. E acho que você também vota em roteiro de Fado para a próxima coluna, pelo nosso papo FB. Que seja! Fado 3 a 0 (voto meu, o seu e o da TT. Beijos

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