sexta-feira, 18 de abril de 2014

Coluna BRASIS, PORTUGAIS E ÁFRICAS - Conversas com a costelinha de Lobato


Por Susana Ventura.
O meu pavor de relíquias começou precisamente no dia em que visitei a Igreja da Madre de Deus em Lisboa e me vi numa sala com estantes envidraçadas até o teto, repletas de relicários, cada qual com pedaços de ossos oriundos, teoricamente, de partes diferentes dos corpos dos santos. O efeito era macabro e, ao me dar conta de que era a única coisa viva ali, eu, que não sou nada desmaiativa, ameacei desfalecer. E só consegui me segurar pelo pavor maior de me imaginar ali desacordada e sozinha, talvez por horas, em meio ao cenário mórbido.

Anos depois, em São Paulo, ao começar um período de trabalho na Biblioteca Monteiro Lobato e visitar seu pequeno e simpático museu, dei de cara com um pedaço de costela identificada como sua, Lobato. E como a relíquia é sua, tinha que ter uma lobatice no meio, não é? A legenda que acompanha o osso me informava que, numa cirurgia a que você se submeteu na meia idade, retiraram aquele ossinho de nada, porque ele o incomodava bastante. Relíquia de vivo, que de santo não teve nada e que só depois morreu (como é? Dúvidas: perguntar para a Emília).

A partir daquele dia, comecei a conversar com a sua costelinha. Hoje é seu aniversário, Lobato, e tenho que contar que você foi o meu primeiro amor literário. O primeiro autor ao qual eu me liguei pelos laços indissolúveis da paixão leitora e ‘Reinações de Narizinho’ foi o primeiro livro marcante. Ele ainda figura em qualquer lista que eu possa fazer das minhas leituras mais importantes.

Feliz aniversário, amado escritor e, se não se importa, vou continuar em diálogo com a sua costelinha. Aliás, por falar nisso, me contaram outro dia que seu fantasma costuma aparecer num certo prédio no centro da cidade, acionando o elevador a desoras. Hummm, por falar nisso, eu já te contei sobre a Nair e o fantasma da casa da Alameda Santos?

Susana Ventura é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora do Ensino Superior e autora de ficção, ensaios e obras para formação de professores. Todas as quinta-feiras escreve a coluna Brasis, Portugais e Áfricas para o blog da editora Nova Alexandria. Hoje, excepcionalmente, escreveu esta crônica para o nascimento de Monteiro Lobato.



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3 comentários:

  1. Obrigada, Jeosafá Fernandez Gonçalves, pela postagem especial! Susana

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  2. Ah, que costelinha simpática, essa do Lobato. Seria um prazer encontrá-la mais vezes por aqui...

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    1. Obrigada, TT. A costelinha é danada: ela vai aparecer sim!

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