Por Susana Ventura.
A
decisão quanto ao rumo da coluna de hoje foi deixada aos leitores na semana
passada. O voto apontou que falar sobre literatura para crianças e jovens era a
escolha. E nisso estávamos quando o ‘caso Machado de Assis facilitado’ surgiu.
E não é que uma coisa vai dar na outra?
Pois
vai, sim, e não é esforço de cronista tentando ‘ajeitar’ o caminho da escrita
para fazer a água vir dar ao seu moinho.
Ao
surgir o caso, via professor Alcides Villaça no Facebook e depois noticiado
pela imprensa escrita, esta cronista
deparou-se com o nome de uma antiga conhecida: a autora que diagnosticara que
Machado era ‘difícil’, se dispusera a facilitá-lo e já tinha feito o livro que
seria lançado de maneira bombástica no Vale do Anhangabaú.
Pois
bem, se prestássemos atenção na produção de literatura para crianças e jovens
dos últimos anos e lêssemos o que nossas crianças trazem para casa, grande
parte dos ‘espantadíssimos’ com a polêmica teria se assustado bem antes, e
talvez já tivesse se manifestado.
Há
uns quatro anos ‘estava linda Inês posta em sossego’ na cadeira do salão de
cabeleireira de seu bairro, quando o barbeiro que corta cabelo na cadeira ao
lado comentou:
- ‘Deram
um livrinho lá na escola da Vanessa hoje. Bonitinho, viu? Você quer dar uma
olhada e me dar sua opinião?’
(Sim,
e ele faz isso sempre. Mostra os livros de literatura, conta dos que ela traz
da biblioteca, pergunta sobre compras de livros em ocasiões festivas. Trocamos
impressões. É pai que não estudou muito, mas que acompanha de perto os dois
filhos na escola pública, a menina no Fundamental).
Então,
ele me passou um belo livro infantil, impresso em 4 cores, papel couché, com as
ilustrações refinadas de uma artista plástica conhecida, projeto gráfico
interessante.... Prometia!
Ali
mesmo mergulhei no livro. E saí do
mergulho arrasada. O livro - patrocinado por um fabricante de amido de milho -
contava com um dos textos mais lamentáveis em que eu já pusera meus olhos. Um
verdadeiro horror. Baseada na necessidade de falar do amido de milho, a autora
cometera uma história mal escrita, com personagens incoerentes, enredo
inverossímil e que, em termos de linguagem, era de uma indigência única.
Fiquei
triste mesmo. Aparentemente tão ‘boa intenção’ para tão lamentável resultado.
Marquei o nome da autora e, dias depois,
fui conversar com uma editora da área de literatura infantil:
- ‘Ih, ela de novo? Ah, é sempre a mesma
coisa, ela faz livros para empresas, sempre mal escritos, um horror, não é?
Para renúncia fiscal, sabe? Capta dinheiro via lei de incentivo...’
Adivinhem,
caros leitores? Sim, é a mesma autora. Só que agora ela chegou ao José de
Alencar e ao Machado de Assis. E por
isso foi notada. Nem vou perguntar como continuamos a conversa, porque esse
papo vai longe!
Até
a próxima semana.

Susana Ventura é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora do Ensino Superior e autora de ficção, ensaios e obras para formação de professores. Todas as quinta-feiras escreve a coluna Brasis, Portugais e Áfricas para o blog da editora Nova Alexandria.
Leia também: VARA DE FAMÍLIA: "Eu estudo com afinco! - Então, tá." uma história real do Judiciário contada com humor e graça.
Aproveite a promoção da semana!
Bela crônica, minha bela amiga. Sem cair na vala comum das indignações. Beijos.
ResponderExcluirSuper obrigada por acompanhar, Tom Torres! Cabe mesmo é serenidade... Beijos
ExcluirA coisa é pior do que eu pensava...
ResponderExcluirE lembrar que quase tudo que seu de Português e de história da literatura aprendi no antigo colegial, com ótimo professor e excelente livre didático, a mesma série nos 3 anos do período....
Pois é, Hélcio, este é mesmo o papel do ensino de literatura no atual Médio: mostrar os clássicos das literaturas em língua portuguesa da melhor maneira possível. É a última oportunidade de entrar em contato com esse repertório que quase todas as pessoas têm. Às vezes um Machado de Assis cativa imediatamente, outras vezes demora anos a pedir nova leitura: mas é nesse momento da vida que os brasileiros têm contato com o Bruxo do Cosme Velho. Um professor ou mediador de leitura que saiba cativar e desvendar a obra nesse período é importantíssimo. Para isso são precisos professores leitores, capazes de falar, de decifrar junto com o aluno as camadas de significado dos clássicos. Abraço e obrigada por acompanhar a coluna!
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