Por Therezinha Hernandes.
O filósofo canadense Marshall McLuhan compreendia o nosso mundo como uma “aldeia
global” já na década de 1960, em seus livros “A Galáxia de Gutenberg” (1962) e
“Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem” (1964).
Ele foi o primeiro a tratar
das transformações sociais a partir da revolução tecnológica trazida pelo
computador e pelas telecomunicações.
A globalização, então,
entendida nesses termos, já não é novidade. O que nos interessa, nesse
contexto, são as interferências linguísticas decorrentes do contato do nosso
bom e velho português com outras línguas – o que também não é fato recente, mas
tem se intensificado nos últimos tempos em função das relações comerciais e das
comunicações, mais especificamente nas redes sociais.
Pensando na comunicação,
começamos nosso assunto falando da influência do termo mass media, ou meios de comunicação de massa. A palavra media ganhou um aportuguesamento no
vocábulo mídia (por exemplo, na
expressão “a mídia brasileira”), que tem até o plural mídias (“campanha eleitoral nas várias mídias”). Grandes erros! A
palavra de origem não pertence ao inglês, mas ao latim: media é o plural de medium,
que significa meio. Portanto, se media já é plural (meios), seu
aportuguesamento como “mídia” reflete a pronúncia anglófona (primeiro
equívoco), e o plural “mídias” representa uma redundância. Outro equívoco foi
ter sido transformada em palavra feminina (a mídia), quando em português a
palavra correspondente, “meios”, é masculina.
Mas, bem. O equívoco já está
lançado e parece não ter volta, mesmo porque há cerca de quatro décadas não se
ensina latim nas escolas.
Outro termo que se expandiu com a popularização dos computadores
é delete, que em português resultou
no verbo deletar e seus derivados.
Engana-se quem pensa ser delete um
vocábulo oriundo do inglês. Novamente ressurge o latim: trata-se do verbo dĕleo, -evi, -etum, delere (transitivo),
“destruir”, “eu destruo”, como na
expressão “Delenda est Carthago” (“Cartago deve ser destruída”). Destruir e
deletar são, pois, redundantes, embora deletar seja empregado como sinônimo de
apagar.
Apesar
desses equívocos na apropriação de palavras e expressões estrangeiras, seu uso
se vulgarizou de tal maneira, tão quotidianamente, que nem sequer nos damos
conta de quantas vezes isso acontece, e com quantas palavras isso ocorre.
Ninguém
deixará de pedir uma baguete na padaria, ou uma pizza, um bife, rosbife;
ninguém deixará de pedir o menu a um garçon; os aviões não deixarão de
aterrissar (ainda bem!!); ninguém deixará de guardar o carro na garagem após
retornar de um show, de um coquetel, ou de um simples passeio pelo shopping.
Mais ainda: aqui no Brasil, ninguém deixará de gostar de futebol para, em seu
lugar, apreciar o ludopédio.
Parece
que mudamos de assunto? Não, não mudamos. Todas as palavras empregadas no
parágrafo anterior são de origem estrangeira. Algumas são consideradas
galicismos (ou francesismos: uso de palavras do francês), anglicismos (do
inglês); a palavra pizza foi apropriada na sua forma italiana mesmo.
O
uso de estrangeirismos, quando há palavras correspondentes em português, é
considerado um barbarismo, que por sua vez representa um vício de linguagem.
Há
puristas que pretendem livrar o português da influência estrangeira. Vejam-se
os projetos de lei do Deputado Aldo Rebelo (Projeto de Lei 1676/99) e da
Deputada Jussara Cony (Projeto de Lei nº 65/2000), que pretendiam legislar
sobre os estrangeirismos, mais especificamente a influência do inglês, que
consideravam exagerada. Existe mesmo quem defenda a grafia píteça para a
palavra pizza. Particularmente, acho que uma píteça seria muito menos saborosa
do que uma pizza.
Na
época do Integralismo brasileiro, ao longo da década de 1930, nomes
estrangeiros precisaram ser aportuguesados. Foi assim que o Hernández da minha
família se tornou Hernandes.
Exageros
à parte, nos últimos tempos vemos a substituição de expressões corriqueiras
como “reunião de trabalho” ou “reunião de negócios” por suas equivalentes em
inglês, como “business meeting”. Parece mais chique (chique é galicismo), mais
elegante e sofisticado ter um “business meeting” do que uma simples reunião de
trabalho. Esse tipo de apropriação de expressões inteiras do inglês (e não mais
palavras soltas) se mostra assustador, especialmente para o ouvinte ou leitor
que não tem familiaridade com o inglês, e seu emprego pode parecer arrogância
de quem fala, ainda que tudo dependa das circunstâncias ou exigências da ocasião.
Os
estrangeirismos, especialmente do inglês, estão à nossa volta: shopping center
(que não existe em inglês; o vocábulo empregado habitualmente é “mall”), hall,
cheeseburger (que virou o nosso popular xis-búrguer, ou simplesmente
X-búrguer), bacon, link, hiperlink, show room, workshop, e tantas outras
palavras.
Se
tomarmos partido dos puristas, teremos de eliminar do vocabulário do português
brasileiro todas as palavras de origem indígena e africana também – afinal, não
pertencem ao português em sua forma “pura”.
Por
outro lado, se existe em português uma forma correspondente e tão adequada e
perfeita como a expressão estrangeira, ou mesmo mais simples e ainda em uso,
usar a forma estrangeira pode parecer uma atitude pedante.
Tudo
depende do bom-senso: há palavras que estão incorporadas ao nosso linguajar há
tanto tempo, e de modo tão intenso, que já não compreendemos o nosso dia-a-dia
sem elas. E também, pensando em termos práticos, escrever uma correspondência
eletrônica parece um trabalho muito mais complicado e penoso do que
simplesmente enviar um e-mail.
Até
a próxima, pois agora vou pedir uma pizza (píteça não deve ter gosto bom).
[Vícios
de linguagem, barbarismo, estrangeirismo, anglicismo, usos do português]
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