terça-feira, 22 de julho de 2014

SP: ZONA LESTE - A saga do dedo mole

Por Akira Yamasaki.












dedo mole 9

era a última cacheta da tarde da sexta-feira santa
no bar do osvaldinho e já que era a saidera mesmo
subiram a mão para cem reais por cabeça, que deu
mil e cem a casada.

era também a última chance para quem estava no
prejú virar a sorte e salvar algum para quem sabe
desatolar o dedo do cú.

era justamente quando o silencio era maior e mais
inquieto e os sapos pescoçavam nervosos pra lá e
pra cá que três pivetes armados chegaram do nada
da tarde triste da sexta-feira santa e promoveram
a maior limpa no buteco.

era então que levaram celulares e carteiras, a
grana da casada todinha e até a correntinha de
ouro com nossa senhora aparecida do osvaldinho.

era nem quinze minutos depois quando o cagaço
ainda nem tinha passado e o caixa d’água dizia
apavorado que não perdoaram nem mesmo a nossa
senhora do osvaldinho que agora ia virar pedra de
crack nas mãos dos nóia, que uma van escolar com
os vidros fumê fechados encostou na frente do
cachetão do osvaldinho e dedo mole desceu com os
moleques da indaga recente e com uma sacola do
tipo de feira nas mãos cujo conteúdo ele derramou
em cima da mesa de sinuca – todo o produto da
limpa feita.

era assim portanto que dedo mole falou assim: foi
mal rapaziada, tô devolvendo o que os aprendiz
aqui levaram de vocês, confiram ou confiem mas
não precisa passar recibo, minha palavra é uma
e é de responsa, já cansei de falar pra eles que
não é pra atrair atenção pra minha funilaria.

era por fim que dedo mole devolveu a santinha do
osvaldo, pediu uma maria mole que bebeu de um
gole só e ainda falou assim quando estava saindo:
japa, meu bom, já deixei sua carteira e seu celular
na sua casa com a sua senhora, se faltar alguma
coisa passa lá no martelinho de ouro.

era assim mesmo que então as minhas tripas se
contorceram de aflição na boca da noite muda e
sem salvação da sexta-feira santa: caráio, dedo
mole sabe onde moro.

18/04/2014.

dedo mole 12

oficina de funilaria
e pintura dedo mole
- martelinho de ouro
certificado iso 9000

o lema aqui é assim:
não vi nem ouvi
e em boca fechada
não entra mosquito

05/05/2014.

dedo mole 14

é sempre um vão
entre dois pontos
entre duas bordas
sempre uma ponte

é entre dois vales
sempre uma vala
sempre um corpo
entre duas velas

é entre duas cruzes
sempre uma bala
entre duas margens
sempre uma favela

é entre dois trechos
sempre um monte
e entre duas bocas
um negro horizonte

16/05/2014.

dedo mole 17

só soube no velório na segunda–feira à noite, dito à boca pequena
por amigos e parentes que caixa d’água morreu em circunstâncias
obscuras, tipo acidente de percurso numa treta mal explicada com
zoinho e queima rosca, que se entendi direito tem algo a ver com
os juros de um empréstimo para saldar dívida de jogo;

atravessei a noite inteira velando e bebendo o caixa em companhia
de osvaldinho, prezado, claudionor e advogado, de amaral, nininha,
bola sete e beto mensageiro, além de china e sonia quarenta e dois,
antigos e constantes parceiros de sete e meio, caxeta e mata-mata,
de vida, vinte e um e sinuca, de tranca e porrinha;

então lá pelas tantas quando as conversas tinham cessado e o povo
cochilava pelos cantos, encostou uma kombi com duas coroas de
flores, uma em nome do lava rápido lava a jato e outra assinada
assim: último adeus ao caixa d’água dos amigos da martelinho de
ouro – oficina de funilaria, pintura e polimento;

então quando o féretro saia no meio da manhã fria e cinzenta para
o cemitério da saudade, com três micro-ônibus da cooperativa dm
de transportes coletivos fechando o cortejo, eu soube pelo prezado
que também não quis assistir o enterro, que os bate-paus do dedo
mole já estavam com a faca nos dentes e sangue nos olhos na cola
de zoinho e queima-rosca, cujos dias estavam contados desde que
queimaram o seu filme, já que sua ordem tinha sido curta, clara e
grossa: somente dar um susto no caixa d’água.

29/05/2014.

dedo mole 18

prezado é o prezado
porque trata a todos
de forma indistinta
de querido prezado

não importa a raça
classe social ou sexo
religião ou ideologia
sempre se apresenta
elegante e educado:
prezado a seu dispor

chegou no oliveiras
há muitas décadas
num pau de arara
junto com o primeiro
loteamento ilegal

desde então ganha
seu sustento como
corretor de imóveis
sua pobreza é prova
da sua honestidade

presidente honorário
da sociedade amigos
do jardim antenado
prezado não fuma
não bebe nem cheira
não deve a ninguém
e sua única maldição
é a mesa de baralho

ontem no osvaldinho
prezado me contou
que disseram in off:
julgado e executado
sem recurso judicial

zoinho virou cozido
no tacho do inferno
e foi queima-rosca
inocentado e liberto
por três votos a zero
tudo limpo e rápido

30/05/2014.

dedo mole 22

bêbado até a tampa
de maria mole e cerveja,
só com prezado de olheiro
e queima rosca na cobertura
dedo mole ontem à tarde
tava dando a maior bandeira
no bar do osvaldinho

com a van escolar
estacionada na porta
jogava tampinha a dinheiro
com amaral, advogado e claudionor
pobres coitados
mijados de medo

até mesmo eu que sou
o pato mais triste da fita
percebi assustado a situação
indefensável e insegura

como manda o figurino
e aconselha o bom senso
saí que nem cachorro magro
rezando pra não ser convidado
pra mesa de jogo

lá fora o prezado
psicólogo popular
defendeu sua tese:
- hoje é dia do desfile anual
dos mortos do dedo mole
todos que foram zerados
por ele ou a mando seu
passam dando um rolezinho
por dentro da sua cabeça
e ninguém imagina
o que pode acontecer

o único jeito é esperar
que caia logo de bêbado
pra levar o cidadão
pro martelinho de ouro

18/06/2014. 

dedo mole 23

agora tudo é solidão
de tudo que dói
dentro de mim morto
há muito tempo

todos se foram agora
não sinto mais saudade
de quando tudo era vivo
e eu não tinha esquecido
meu nome e idade

restaram agora do jogo
o jugo das memórias dos rojões
cicatrizadas nas retinas dos olhos
e do fogo dos beijos ardentes
memórias geladas nos lábios

dos abraços da vitória
restaram ainda os gritos
dos ventos esquecidos
nas bandeirinhas verde-amarelas

e do mar de sangue e morte
de dor e sofrimento infinito
onde morei por eternidades
sem nenhum afeto ou amigo
acordei agora dono de mim

30/06/2014.

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