sexta-feira, 13 de junho de 2014

BRASIS, PORTUGAIS E ÁFRICAS - Botando meu Jabaquara em campo

Em desagravo à falta de educação dos torcedores VIPs ontem,  no Itaquerão, escritora oferece e comenta ao leitor uma bela crônica de Plínio Marcos: As chuteiras do Jabaquara.

Por Susana Ventura.

A coluna de ontem atrasou. Motivo: o resfriado que se abateu sobre a colunista em meio das muitas viagens feitas por terra para cumprir agenda em época pré-Copa. Resfriado chato, com dor de cabeça, em meio a muitas viagens de ônibus, carro, táxi, metrô e caminhadas a pé com mochila nas costas, ecobag com livros no ombro. E, como objetivo, chegar no final da maratona a tempo de ver a abertura da Copa do Mundo e o jogo inaugural com a família. Consegui, enfim. Ainda meio dormindo e não muito inteira, mas consegui. Guarda-roupa especial, verde, amarelo, azul. Sou assumidamente ritualística e faço questão de estar presente para a oficialização dos ritos que escolhi para viver.

Estava preparada para tudo ontem, menos para a mostra de desumanidade, falta de educação, grosseria imperdoável e incivilidade a que assisti: a ‘ala vip’ da ‘vipíssima’ Arena xingando e constrangendo Dilma Rousseff de maneira vil. Não digo a ‘Presidente  ou Presidenta’ Dilma Rousseff. Digo mesmo Dilma Rousseff, cidadã, que estava lá cumprindo agenda, trabalhando mesmo. Fiquei triste demais com isso. Minha gente, o que foi que eu vi e ouvi?

Como sempre fui buscar consolo na literatura e recorri a nossos cronistas em busca de conforto. Andei para lá e para cá e, por fim, encontrei consolo e conforto no rés-do-chão onde vive a gente real, os brasileiros de verdade. Estive novamente diante do genial Plínio Marcos (1935-1999) e com ele ‘boto meu Jabaquara em campo’ hoje, numa expressão tão santista e tão bacana, que às vezes eu me esqueço que ela não é do Brasil todo.

A origem é o Jabaquara Atlético Clube de Santos, clube nomeado a partir de um quilombo que existiu
Para jornalista, pênalti existiu, sim. Confira matéria aqui.
num dos morros da cidade. Para os santistas de várias gerações posicionar-se com veemência sobre uma questão é ‘botar o Jabaquara em campo’. Plínio Marcos foi cronista de vários episódios do Jabaquara, no final de sua vida, assinando a coluna ‘Janela Santista’ a cada final de semana, num periódico local, gratuito, chamado Jornal da Orla. Foi ali, em 17 de janeiro de 1999, que li, deliciada, a crônica ‘As chuteiras do Jabaquara’. Li, recortei e guardei. Nela, Plínio Marcos nos fala de seus olhos úmidos ao se lembrar  do rosto da molecada do bairro de sua infância. Jogador do time infantil Vila Bancária ele nos mostra ali a vida pulsante dos meninos para quem o futebol era o ponto alto da vida: sem uniforme, sem chuteiras, sem quase nada, mas com a vida pulsando, o olhar brilhante, o molejo e a gana de jogar futebol.

Não tirarei dos leitores o prazer da descoberta das personagens Frajola (o próprio Plínio), Luciano Juqueri (o nome dispensaria apresentações, mas adianto que foi o mentor intelectual de um plano que resultou maravilhoso), Nei Feijão, Bugre, Alicate, Feijoada – a crônica, ainda bem, pode ser lida aqui - mas preciso contar a vocês que a minha alegria foi restaurada de imediato.

Ali estava a vida e não o simulacro, daquela crônica aqueles que amam o futebol e sabem ser gente de verdade disseram para mim: ‘estamos aqui, o Brasil e os brasileiros estão aqui’.

Reli agora, antes de terminar a coluna, a crônica do Plínio e chorei de novo. Não tem problema, a emoção é benvinda e, devido ao resfriado, a caixa de lenços está mesmo aqui ao lado. Botando o Jabaquara em campo, digo que o Brasil é maior e melhor do que aquilo que meia dúzia de pessoas feitas de plástico, sem conteúdo ou educação mostraram ontem.

Vai, Brasil!

 Susana Ventura é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora do Ensino Superior e autora de ficção, ensaios e obras para formação de professores. Todas as quinta-feiras escreve a coluna Brasis, Portugais e Áfricas para o blog da editora Nova Alexandria.




Gente boa do meu Brasil, venha amanhã ao nosso SARAU DA COPA!


4 comentários:

  1. Falou tudo, Susana.
    Tudo que aquelas pessoas fizeram foi mostrar a própria falta de educação e civilidade, diante dos nossos hóspedes estrangeiros.
    Muito feio...
    Apoio tudo que você disse.
    Grande abraço - e melhoras!

    TT

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    1. Oi querida,
      O que fazer diante do horror, não é? A literatura nos dá consolo e conforto nestes momentos. Obrigada pelos bons desejos e por acompanhar a coluna!
      Beijos
      Susana

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  2. É a imagem que se leva de um país que quer ser civilizado. Falta total de respeito. Fecho contigo e não abro.

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    1. Querido Tom,
      Falta de respeito não justificada MESMO. Mas vamos em frente, porque educar gente que teve todas as chances de se educar bem não é nosso trabalho, não é?
      Beijo,
      Susana

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