quinta-feira, 8 de maio de 2014

Coluna BRASIS, PORTUGAIS E ÁFRICAS - Quando o assunto chegou ao Machado...

Por Susana Ventura.

A decisão quanto ao rumo da coluna de hoje foi deixada aos leitores na semana passada. O voto apontou que falar sobre literatura para crianças e jovens era a escolha. E nisso estávamos quando o ‘caso Machado de Assis facilitado’ surgiu. E não é que uma coisa vai dar na outra?

Pois vai, sim, e não é esforço de cronista tentando ‘ajeitar’ o caminho da escrita para fazer a água vir dar ao seu moinho.

Ao surgir o caso, via professor Alcides Villaça no Facebook e depois noticiado pela imprensa escrita,  esta cronista deparou-se com o nome de uma antiga conhecida: a autora que diagnosticara que Machado era ‘difícil’, se dispusera a facilitá-lo e já tinha feito o livro que seria lançado de maneira bombástica no Vale do Anhangabaú.

Pois bem, se prestássemos atenção na produção de literatura para crianças e jovens dos últimos anos e lêssemos o que nossas crianças trazem para casa, grande parte dos ‘espantadíssimos’ com a polêmica teria se assustado bem antes, e talvez já tivesse se manifestado.

Há uns quatro anos ‘estava linda Inês posta em sossego’ na cadeira do salão de cabeleireira de seu bairro, quando o barbeiro que corta cabelo na cadeira ao lado comentou:

- ‘Deram um livrinho lá na escola da Vanessa hoje. Bonitinho, viu? Você quer dar uma olhada e me dar sua opinião?’

(Sim, e ele faz isso sempre. Mostra os livros de literatura, conta dos que ela traz da biblioteca, pergunta sobre compras de livros em ocasiões festivas. Trocamos impressões. É pai que não estudou muito, mas que acompanha de perto os dois filhos na escola pública, a menina no Fundamental).

Então, ele me passou um belo livro infantil, impresso em 4 cores, papel couché, com as ilustrações refinadas de uma artista plástica conhecida, projeto gráfico interessante.... Prometia!

Ali mesmo  mergulhei no livro. E saí do mergulho arrasada. O livro - patrocinado por um fabricante de amido de milho - contava com um dos textos mais lamentáveis em que eu já pusera meus olhos. Um verdadeiro horror. Baseada na necessidade de falar do amido de milho, a autora cometera uma história mal escrita, com personagens incoerentes, enredo inverossímil e que, em termos de linguagem, era de uma indigência única.  

Fiquei triste mesmo. Aparentemente tão ‘boa intenção’ para tão lamentável resultado. Marquei o nome da autora  e, dias depois, fui conversar com uma editora da área de literatura infantil:
 - ‘Ih, ela de novo? Ah, é sempre a mesma coisa, ela faz livros para empresas, sempre mal escritos, um horror, não é? Para renúncia fiscal, sabe? Capta dinheiro via lei de incentivo...’

Adivinhem, caros leitores? Sim, é a mesma autora. Só que agora ela chegou ao José de Alencar e ao Machado de Assis.  E por isso foi notada. Nem vou perguntar como continuamos a conversa, porque esse papo vai longe!

Até a próxima semana.



Susana Ventura é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora do Ensino Superior e autora de ficção, ensaios e obras para formação de professores. Todas as quinta-feiras escreve a coluna Brasis, Portugais e Áfricas para o blog da editora Nova Alexandria.



Leia também: VARA DE FAMÍLIA: "Eu estudo com afinco! - Então, tá." uma história real do Judiciário contada com humor e graça.

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4 comentários:

  1. Bela crônica, minha bela amiga. Sem cair na vala comum das indignações. Beijos.

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    1. Super obrigada por acompanhar, Tom Torres! Cabe mesmo é serenidade... Beijos

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  2. A coisa é pior do que eu pensava...
    E lembrar que quase tudo que seu de Português e de história da literatura aprendi no antigo colegial, com ótimo professor e excelente livre didático, a mesma série nos 3 anos do período....

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    1. Pois é, Hélcio, este é mesmo o papel do ensino de literatura no atual Médio: mostrar os clássicos das literaturas em língua portuguesa da melhor maneira possível. É a última oportunidade de entrar em contato com esse repertório que quase todas as pessoas têm. Às vezes um Machado de Assis cativa imediatamente, outras vezes demora anos a pedir nova leitura: mas é nesse momento da vida que os brasileiros têm contato com o Bruxo do Cosme Velho. Um professor ou mediador de leitura que saiba cativar e desvendar a obra nesse período é importantíssimo. Para isso são precisos professores leitores, capazes de falar, de decifrar junto com o aluno as camadas de significado dos clássicos. Abraço e obrigada por acompanhar a coluna!

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